Telefonema

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- ''Você acabou de ligar para Kim Loreton e eu infelizmente não posso atender no momento. Deixe uma mensagem ou tanto faz.''

Claire desligou o celular após ouvir o bip. Era a quinquagésima quarta vez que estava ouvindo a mensagem que Kim deixara na sua caixa postal. Estava sentada no sofá do seu apartamento, ainda tentando arranjar uma razão para tudo o que acontecera na noite anterior. Não conseguia raciocinar direito, não conseguia nem ao menos dizer se o dia estava começando ou se já estava chegando ao fim. Estivera sentada ali havia horas, exatamente na mesma posição, contemplando o teto da sala de estar que era enfeitado com alguns corações recortados de papel. Parecia um tanto infantil, pelo menos foi o que Claire disse a Kim quando ela os colocou ali. Agora que olhava novamente para o teto percebeu que aqueles corações significavam muito mais do que pura infantilidade.

Não conseguia acreditar no quê tinha acontecido e muito menos o porquê de ter acontecido. Olhava ao redor da sala de estar e conseguia identificar a presença de Kim em tudo, até mesmo nas mínimas coisas. Ela estava presente na mancha de vinho no sofá, estava presente nos quadros de Romero Britto que enfeitavam as paredes do apartamento, estava presente até mesmo naquelas garrafas de champagne vazias que se encontravam guardadas no ármario da cozinha. Claire nunca tinha entendido o motivo da amiga guardar garrafas de champagne, até porque ela as guardava sem o conteúdo dentro. Ela sempre quis perguntar a Kim a razão dessa mania incomum, mas sempre deixou para depois. Nunca se importou em querer saber alguns detalhes da vida de Kim que ela jamais apresentara à Claire, como por exemplo o fato dela colocar os livros dentro do congelador depois que terminasse e ler e se decepcionasse com o final. Eram hábitos bobos que sempre despertaram a curiosidade em Claire mas, mesmo nesses sete anos de amizade, Claire nunca se preocupara em perguntar a amiga a história por trás de cada um deles.

Agora que raciocionava sobre tudo isso, acabou por perceber que não conhecia a sua melhor amiga por completo. Não sabia qual era a cor favorita de Kim, não sabia nem se ela tinha uma cor favorita. Claire só sabia o que a amiga deixava transparecer, só conhecia os problemas e as dores que a amiga apresentava, mas Claire nunca se preocupou em ir mais a fundo, em tentar entender a amiga tão bem quanto ela entendia Claire.

Parecia uma piada o fato de que agora Claire não teria mais com quem dividir o apartamento. Sempre se queixava com Kim quando seus familiares diziam que ela devia ser mais independente e comprar um apartamento só seu, ao invés de dividir com uma amiga. As duas sempre riam disso, dizendo que, se dependesse delas, morariam juntas até mesmo depois de casar. Uma pena que Kim nunca vai poder chegar a esse ponto, pensou Claire. Ficou refletindo sobre todas as coisas que a amiga havia perdido. Graduação na faculdade, casamento, filhos, viagens que ela e Claire sempre sonharam em fazer juntas, tudo isso agora parecia estar em uma vida muito distante. Parecia que todas essas coisas também haviam acabado para Claire, porque ela não teria mais ao seu lado a pessoa com quem sempre compartilhou todos esses planos.

- Claire? - Ela ouviu alguém chamar. Chegou até a levar um susto, porque não reparara que Tedd estava ali na sua frente, cutucando o seu braço.

Claire apenas fitou o amigo com o olhar, sem saber muito o bem o que dizer. Os olhos de Tedd estavam roxos, seu cabelos todos desgrenhados. Seus olhos ainda estavam cheios de lágrimas e ele parecia estar lutando consigo mesmo para não derramar mais nenhuma, pelo menos não ali, na frente de Claire.

- Eu... cheguei faz pouco tempo. Umas duas horas, talvez. Vim pra cá assim que me ligaram. - Ele falou com a voz fria, sem expressar nenhuma emoção. Não expressava nem mesmo tristeza. Era como se não tivesse sentimentos. Claire nunca tinha visto o amigo tão frio como estava naquele momento. Ela gostaria muito de dizer alguma coisa que pudesse tranquilizá-lo, queria até mesmo abraçá-lo, só que não conseguia formular palavras na sua boca. Sentia que algo a travava, algo travava todas as ações que ela queria exercer naquele momento.

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⏰ Última atualização: Jan 26, 2015 ⏰

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