As primeiras horas do dia, apesar de frias e silenciosas, tornam-se acolhedoras ao abrirmos a janela e espiarmos a lua brilhar. Fechar os olhos e sentir a brisa acariciar seu rosto é a mais simples das terapias, especialmente quando estamos a lutar contra uma combustão de sentimentos.
Encolhida em sua cama, observando atentamente o céu noturno, ela vestia um pijama velho e seus cabelos caíam sobre seus olhos ansiosos. Roía as unhas e tentava freneticamente apagar as suas chamas de inquietação. Assistia os pelos de seu corpo se arrepiarem ao dar ouvidos a sua imaginação, e tentava em vão silenciar suas dúvidas e desejos mais íntimos. Apesar de introvertida desde muito cedo, ela era uma garota bonita. Conseguia despertar a atração em pessoas ao seu redor, e mesmo não sendo seu passatempo favorito, já perdera horas trocando saliva com algum garoto que clamara por sua atenção. Era fã de alguns tipos de malandragens adolescentes, e no meio de suas diversões e manipulações, acabara aprendendo a esconder seu próprio coração; ninguém nunca a enfeitiçara com a magia da paixão, e quem olhasse para seu perfil, nunca imaginaria que tamanha baderneira teria interesse em se comprometer. Sentia-se mal por isso, e como quem pede desculpas a si mesmo, ela queria se apaixonar. Desde criança, sonhava que um dia encontraria seu príncipe: imperfeito, porém cativante, que aos poucos a envenenaria com seu charme e a colocaria aos seus pés. Com mil borboletas no estômago e sorrindo sozinha, ela apoiava os braços no parapeito da janela e pensava no impostor que encontrara o caminho para seu coração, com a única intenção de rouba-lo.
Em meio a madrugada gélida, ele caminhava desajeitadamente, com passos cada vez mais velozes, acompanhando as batidas de seu coração. Com as mãos nos bolsos do moletom e os fones de ouvido no último volume, ansiava por olhar no fundo dos olhos daquela em quem encontrara a perdição. Desde criança, procurava descobrir o porquê de tudo ao seu redor. Queria saber por que chorávamos, por que o Sol brilhava, por que os céus se pintavam de azul. Era um analista nato, obtendo suas respostas sozinho sem depender de mais ninguém. Observava atentamente a tudo e a todos, menos a si mesmo, deixando com que seus sentimentos e devaneios o embaralhassem por completo. E ao criar o hábito de decifrar cada indivíduo como se fossem mistérios, foi pego de surpresa por um enigma indecifrável; Com um piscar de olhos e com um belo sorriso ilegível, ela o viciara como uma droga. Não importava-se em se aventurar e em se perder em seu âmago apenas para desvendar o mistério que se escondia por trás do mais bonito dos olhares, ter para si cada uma das fantasias que ela imaginava, e principalmente, encontrar as respostas para o infinito que sentia ao tocar seus lábios. Apesar de jurar nunca perder sua lógica e agir apenas pela razão, ele estava sendo fascinado pelo mais sinistro dos ocultismos: o amor.
Como um personagem saído de um livro infantil, ele escalou com destreza os muros que o separava de sua donzela. Ao cair desengonçado na grama, ele fez uma careta de dor, enquanto ela, que vidrada o observava pela janela, soltou uma exclamação silenciosa. Ambos abriram sorrisos largos, que pareciam expressar a ânsia e a felicidade que sentiam por compartilharem do mesmo ar. No êxtase do momento e em meio a passos errôneos, ele caminhou rapidamente até a janela onde ela se debruçava, ávida por sua presença. Com o auxílio dela, ele atravessara a janela com tanto cuidado quando escalara o portão, porém, caíra sobre ela com o mesmo sucesso que obtivera antes, arrancando risos do par de amantes.
Alguns segundos de silêncio se passaram, e na mesma posição, eles se encaravam, com mil pensamentos diferentes os assombrando. Com delicadeza, ele acariciou o rosto dela. Devagar, ela colocou sua mão sobre a dele, fechando os olhos e se prendendo na bolha que os envolvia. Observando a serenidade estampada no rosto dela, ele se sentia como o primeiro homem no mundo a encontrar a paz; poderia se gabar de ter em mãos a mais valiosa das obras de arte, e nada o convenceria do contrario. Lentamente, acima do desejo, uma ternura crescia em seu peito. O calor que a mão dele transmitia poderia fazer todas as correntes internas dela derreterem, derrotar seus maiores medos e inseguranças, poderia manter seu coração pulsante para toda a eternidade. Ela se sentia acolhida e aceita como nunca provara antes, como se estivesse exatamente onde estivera predestinada a estar, e nunca abandonaria tamanho aconchego.
Aos poucos, seus rostos se aproximaram, respirações aceleraram e olhos se fecharam. Quando seus lábios enfim se tocaram, se sentiam como se tivessem se deparado com a rendição; jamais encontrariam tamanha intensidade em suas vidas. A vivacidade e sinceridade que os beijos dela transmitiam arrancavam todos os pensamentos da cabeça dele, faziam-no se sentir à beira da loucura, e sorrateiramente, plantavam no seu interior a vontade de viver o suficiente para provar da mesma sensação milhares de vezes. A leve pressão do corpo dele sobre o dela a fazia se sentir salva do seu velho jeito de ser, queria que ele a salvasse eternamente, queria estar segura em seus braços para todo o sempre. Cada vez mais profundas, suas carícias tinham traços de irrealidade, e a contrapartida, o misto de seus perfumes os lembrava que não havia nada mais real do que aquilo que crescia entre ambos.
Lábios avermelhados, fôlego baixo, cabeça nas nuvens e uma paixão desenfreada; uma onda de eletricidade atravessava seus corpos, e de forma profunda, ambos souberam que aquilo valeria a pena. Ela não queria apenas flores e palavras bonitas, ao mesmo tempo que ele não queria apenas um corpo. Enfim, ela tinha o cavalheiro que imaginara quando mais nova, que aos poucos, mergulhara nas camadas mais profundas do seu ser e conseguira conquistar cada vírgula de seus devaneios. Ele, prestes a completar o mais terrível dos seus mistérios, já não se importava mais com respostas, apenas com a certeza de que sabia a fórmula do amor. Olhos nos olhos, com seus corações em mãos, eles sorriam; estavam, finalmente, apaixonados.
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Apaixonar-se
Romance"Lábios avermelhados, fôlego baixo, cabeça nas nuvens e uma paixão desenfreada; uma onda de eletricidade atravessava seus corpos, e de forma profunda, ambos souberam que aquilo valeria a pena."