Capítulo I - Olhos na escuridão

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"Das sombras ele surgiu, com sangue na face, malícia no olhar e a sede tão intensa quanto a eternidade... E para sombras ele retornou... E num instante, apenas o vazio da escuridão".

Capítulo I – Olhos na escuridão


Não havia mais ferimentos, somente o sangue seco recobria a pele nua, formando uma casca enegrecida e quebradiça que se esfarelou ao toque. A loucura parecia ter passado também, apesar de algumas memórias estranhas e dolorosas voltarem em relances desconexos.

Não diferenciava, ainda, as visões imaginárias e reais. E vultos vivos dançavam na frente dos olhos.

O corpo e a mente estavam curados. O primeiro, sem qualquer sequela.

Minhas roupas eram farrapos empoeirados. A camisa havia se desfeito como se roída por traças. O meu fedor era insuportável, igual ao dos corpos em decomposição. Eu parecia um morto que não fora aceito no outro mundo e jogado de volta para a vida. Os ossos estavam salientes e a pele se afundava na carne. Todas as minhas juntas estalavam devido à longa imobilidade.

Eram os únicos sons que quebravam o silêncio da cripta.

Não... Eu também podia ouvir meus pensamentos ecoarem e cada inspiração ribombava nos ouvidos.

Estava um breu total. Mas eu enxergava, via tudo com uma perfeição encantadora, sempre fascinante. O relevo de cada bloco de pedra, veios da madeira maciça da porta, as gotas se formando no teto úmido... Nunca me cansei de admirar.

Havia ratos mortos no chão e teias de aranha emaranhadas nos meus cabelos imundos. Apenas algumas baratas se escondiam nas frestas das paredes. Corriam de lá para cá sem se preocupar comigo. Eu era somente uma peça naquele cenário vazio.

Entretanto, não queria mais solidão. Ela fora minha companheira inconsciente, mas já cumprira a sua missão e eu iria dispensá-la.

Eu precisava de ar fresco, pois o bafo sufocante do meu covil de pedra me enojava. Eu estava fraco e tonto, mas a mente estava viva como nunca estivera em todos esses anos.

Forcei a tranca de ferro. Ela estava enferrujada e emperrada. Coloquei mais força e ela rangeu e cedeu depois de algum esforço. Um homem forte teria muitos problemas para abri-la. Entretanto, eu não precisava mais me preocupar com isso.

Puxei a porta e senti a lufada de ar fresco e revigorante. Enchi meus pulmões e foi muito agradável. Havia um pouco de claridade no topo da escada. Apenas uma luminosidade parca e a ponto de se desvanecer. Subi cada degrau lentamente, esmagando as plantas que nasciam por entre as pedras escorregadias.

Ainda estava fraco e cambaleante. As pernas pareciam relutar em obedecer, mas degrau a degrau, venci o obstáculo e deixei para trás o meu covil.

Enfim, reencontrei o mundo e estava sedento pelas novidades.

Não sei por quanto tempo permaneci no meu sono repleto de pesadelos. Não sei por quanto tempo a letargia tomou conta de mim, depois da fúria insana, depois de destruir corpos e vidas somente para apaziguar meu espírito revoltado. Entretanto, não houve paz, somente uma loucura arrebatadora. E gritos estridentes de pessoas desesperadas.

Fui dominado pela arrogância e deixei-a sobrepujar qualquer resquício de virtude.

Mutilei inocentes, enfrentei guerreiros e sangrei. E senti dor. Pontadas na minha soberba.

Gargalhei sobre os cadáveres e me diverti em ver meu próprio corpo rasgado por espadas e perfurado por lanças enquanto pessoas sem fé, apavoradas, rezavam com tochas e cruzes nas mãos.

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⏰ Última atualização: Jan 22, 2015 ⏰

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