Capítulo Único.

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Natal nunca havia sido um dos meus feriados favoritos. Apesar de todo significado que ele trazia consigo, minha família sempre teve tradições diferentes e um tanto que peculiares. Originária do norte da Itália, minha avó materna, além de me apresentar suas diversidades culinárias, musicais e religiosas, ainda me apresentou uma lenda que me acompanhou por todos os natais, desde criança; o Krampus.

Krampus faz parte de mitologia alemã, e ao contrário de São Nicolau, ele aparece somente para crianças más e desobedientes. Dona Elvira, como era conhecida minha avó, nos contava que ele era uma criatura macabra, com aparência de um demônio, chifres de bode, corpo curvado, correntes nas pernas e um saco nas costas, que ele usava para carregar suas pequenas vítimas depois de torturá-las e matá-las. Depois, com sua língua longa e pontuda, ele sentia o sabor das crianças antes de devorá-las.

Durante o ano meu comportamento era impecável, seguia cada regra à risca, para que quando chegasse o dia dele, cinco de dezembro, Krampus não viesse me visitar. Minha avó fazia questão de me lembrar o motivo para me comportar, e durante as festividades de Natal, o pinheiro verde que ficava no meio da sala, invés de ser decorado com pequenas luzes e bolas coloridas, era decorado com bonecos felpudos com a língua de fora.

Me lembro de agradecer mentalmente por ter nascido no Brasil, especificamente, em Itu, uma cidade do interior de São Paulo. Para uma criança que se assustava com as pequenas pelúcias da árvore de Natal, seria terrível viver em cidades ou países em que era comemorado o Krampusnacht. Uma noite em que as pessoas costumavam a se fantasiar de demônio para se divertir. Geralmente, enquanto alguns se vestiam de Krampus, outros se vestiam de São Nicolau, exclusivamente para dar o contraste entre o bem e o mal.

Com o tempo achei que o medo dessa data iria embora, e que o barulho de correntes que eu ouvia debaixo da porta do meu quarto, seguido por uma sombra e passos pesados, eram frutos da minha imaginação infantil. Estava errada, o medo não foi embora. Todo natal sentia o mesmo calafrio, como se algo ruim fosse acontecer, e isso só se intensificou com o desaparecimento da minha irmã caçula e outras crianças.

A perda de um ente querido é difícil de superar, mas é ainda mais difícil quando ele não deixa nem rastro de onde possa estar. Foi assim com a minha irmãzinha, Sabrina Borges. Apesar de ter uma personalidade travessa e desordeira, sempre teve uma alma contagiante, que despertava a alegria de qualquer pessoa que mantinha por perto.

Em uma noite natalina ela recebeu de presente carvão e madeira. Minha avó costumava a dizer que era uma forma de Krampus castigar as crianças desobedientes, presenteando elas com objetos ruins.

Sabrina ficou revoltada ao se deparar com aquilo. Em um ataque de fúria derrubou o pinheiro verde com bonecos felpudos no chão, e chorou por toda noite, até pegar no sono. Não era de se esperar muito de uma criança de seis anos, receber itens tão depreciativos em uma noite como aquelas faria até mesmo um adulto ficar furioso. O problema foi no dia seguinte. Sabrina Borges não estava na cama, e nem em lugar algum. E hoje, dia vinte e cinco de dezembro, fazem dezesseis anos que aquilo havia acontecido, e apesar de todos já terem esquecido, eu nunca irei esquecer. Naquela noite eu ouvi as correntes arrastarem como nunca, e os passos pesados de algo muito grande pelo piso do corredor.

Como eu era pequena, tudo o que aparecia em minha frente parecia duas vezes maior, e medrosa do jeito que era, a única coisa que conseguia fazer era me encolher entre as cobertas para me esconder.

— Fernanda Borges! Foco! — Ademir, meu companheiro de serviço, chamou a minha atenção  — Temos quatro crianças desaparecidas em menos de um mês, precisamos de sua total atenção aqui. — Jogou o portfólio com todos objetos pessoais das crianças desaparecidas. Eram roupas rasgadas e fotos do quarto das vítimas, que eram o último lugar em que foram vistas. As pistas foram consideradas poucas e insuficientes para ter alguma resolução concreta do crime.

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