1984 - 07:50

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O amenoso calor da manhã aquecia seu rosto, a claridade lhe incomodava, fazendo-o revirar-se em sua cama, confortavelmente sobre as colchas. A leve brisa aconchegante e gélida da manhã invadia o quarto, finalmente despertando o homem de seu sono. Suas pálpebras descobrem seus olhos, azuis como um mar morto e cinzas como a poeira lunar. Fechando os olhos novamente e revirando seu corpo sobre as cobertas, deitando-se de barriga para a cama, virando seu rosto de lado, ele observa, de olhos semiabertos, a janela aberta, a qual lhe trouxe o calor dos raios de sol que penetravam seu quarto e a brisa gelada da manhã. De fundo, o aprazível canto dos pássaros, que pareciam distantes dali. Inspirando fundo, ele se apoia na cama, sentando-se sobre o colchão, em seguida, levando uma de suas mãos até sua cabeça, passeando os dedos dentre seus cabelos ruivos. Seus fios alaranjados dançavam levemente com a brisa e brilhavam sob a luz do sol. Sua pele, sensivelmente pálida e sardenta, aquecia com o calor da luz. O homem se levanta devagar de sua cama, após acostumar sua visão que anteriormente estivera embaçada, assim caminhando até seu banheiro em passos calmos porém pesados. Ao passar do lado de um espelho pendurado na porta do banheiro, o rapaz leva sua atenção ao mesmo, parando de caminhar e espantando-se com o quão grande estava sua barba, não de modo exagerado, mas questionando a si mesmo quando havia deixado se descuidar tanto assim. Depois de observar sua aparência descuidada, o ruivo caminha para dentro do banheiro, parando em frente a pia, encarando a si mesmo novamente por outro espelho, olhando profundamente para dentro de seus próprios olhos, se encarar nunca havia sido algo tão intrigante como agora, como se quisesse arrancar algo de dentro de si, sem ao menos saber do que realmente se tratava. O sardento passa a procurar com seu olhar e vasculhar o armário acima de sua pia, na chance de encontrar somente o necessário para tirar a barba de seu queixo, e ele realmente encontra, pegando os utensílios e pondo tudo sobre a pia, sem querer cortando levemente seu dedo com a lâmina da navalha, revelando uma expressão de dor do ruivo.

Argh...- Sua voz grave e rouca demonstra suavemente baixo a dor que sentira.

Levando seu dedo áspero até o lábios, então chupando a gotinha de sangue que escorrera em seu dedo, já com a outra mão livre, passou a preparar o que tinha de ser feito, passando o creme de barbear aos poucos sobre seus pelos faciais do queixo, ao menos na esperança de deixar somente a costeleta. Retirando o dedo de sua boca, ele usa sua mão que agora se encontrara desocupada para passar o creme, enfim terminando, prosseguindo com a navalha, tomando cuidado para não corta-se novamente. Enquanto passava cuidadosamente a navalha nas laterais de seu rosto, seu ritmo desacelera, a ausência de atenção se torna visível, se perdendo em seus devaneios após escutar uma melodia familiar distante, acompanhando a letra pouco a pouco, sussurrando o clássico, o homem mentalmente acompanhou a música. E sem ao menos notar o tempo passar, já havia terminado de se barbear, no entanto é interrompido pelo som de seu telefone tocando de fundo, o som repentino lhe assusta, cortando-se novamente, desta vez no queixo, mas o sardento não dá  sequer atenção ao telefone, apenas observando o corte em seu queixo, dando mais importância a si mesmo.

Há de haver um band-aid por aqui. - O rapaz liga a torneira e pôs-se a enxaguar seu rosto.

Além de higienizar seu rosto, ele limpara o creme junto dos pelos faciais do queixo, levando com a água o vestígio nem tão visível do sangue, esticando uma de suas mãos na tentativa de alcançar a toalha de rosto ao lado da pia, com sua outra mão livre, ele desliga a torneira, logo puxando a toalha consigo, levando até seu rosto e enxugando as gotas de água que escorria por seu rosto e pingavam sobre o mármore da pia. Deixando a toalha de rosto de lado, pegando enfim sua escova de dentes, não demorando muito para pôr a pasta na escova, porém de fundo ainda escutava o telefone tocar, o som lhe deixava impaciente, por alguma razão no fundo, ele queria evitar atender, mesmo não sabendo o porquê. Mesmo contra sua vontade, o homem caminha para fora do banheiro com sua escova em mãos, pondo-a logo em seguida em sua boca para desocupar suas mãos, locomovendo-se pelo corredor até chegar em frente ao telefone, que por final, acabara parando. Aquilo não havia lhe irritado, pelo contrário, foi um tanto aliviante, voltando a sua higienização matinal, escovando seus dentes enquanto se deslocava até sua cozinha, se surpreendendo com o quão bagunçado estava sua casa, encontrado pelo chão papeis amassados, rasgados e alguns espalhados até mesmo debaixo de móveis, notando uma pasta preta sobre a mesa de jantar, cadeiras fora do lugar, fotos espalhadas sobre o balcão americano junto de uma câmera quebrada e muita louça suja acumulada. Parecia até mesmo uma cena do crime, como se alguém tivesse vasculhado sua casa atrás de algo em específico.

"Por que tudo está parecendo tão caótico? Está tudo desordenado, e mesmo assim não me lembro do que fiz ontem." - O ruivo se questiona pensativo, sua expressão confusa era de espanto com tamanha desordem.

Ele permanecia escovando seus dentes, voltando-se a caminho do corredor, com destino ao banheiro, apressando seus passos, pois já havia acabado de escovar seus dentes. Ao adentrar o banheiro e se pôr de frente para a pia, ele cospe a espuma junto da saliva, ligando novamente a torneira, juntando as mãos para pegar uma quantidade rasa de água, levando até a boca e enxaguando de boca fechada, repetindo esse processo por mais três vezes, por fim lavando a escova e pondo-a dentro de um copinho, em seguida desligando a torneira. O sardento então recorda de pegar os band-aid, vasculhando outra vez o armário, porém desta vez falhando em sua busca, não havia nenhuma caixa com a logotipo band-aid, fechando as pequenas portas do armário.

 —"Neste caso passarei na farmácia antes de ir à delegacia." - Pensava enquanto se encarava mais uma vez no espelho. "Quanto ao meu cabelo não há muito o que fazer, apenas tomar um banho e pentear ele, quem sabe ir à um cabelereiro depois." - Pensa enquanto cedara a vontade de se encarar no espelho e levava sua atenção à uma toalha que encontrava-se logo atrás dele.

Ao notar que sua toalha já se encontrava ali, sem hesitar mais um segundo ele se despiu e deixou de lado suas roupas, dando poucos passos até se encontrar debaixo do chuveiro, sem muita cerimônia para liga-lo. As várias gotas escorriam rapidamente pelo palor de seu corpo despido, seus cabelos cor de fogo que agora se encontravam baixos o deixava com uma aparência mais frágil, perdido dentre seus pensamentos, adentrando um vazio existencial por não recordar o dia de ontem, quando foi a última vez que ele cortou o cabelo e reparou a barba, como se não houvesse vivido a própria vida por si, talvez se perdido em seus delírios, ou voltado a beber tanto que esqueceu do dia anterior, se é que seria possível. E outra vez, a música começa a ecoar distante daquele cômodo, porém a melodia parecia estar estar vindo de dentro de casa.

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