Caro Walter,
Há alguns dias venho pensando sobre o passado, lembro como se fosse ontem quando íamos brincar no pátio de construção dos protótipos do "Golem Fumaça", lembro de dizer pra você o quão fascinante era juntar placas de bronze e engrenagens para fazer uma criatura viva e você ria e dizia que bastava uma pitada de magia para qualquer coisa ser real.
Éramos crianças únicas, você com todo seu fascínio pelo sobrenatural e pelas artes arcanas e eu louco para calçar os sapatos de meu pai e me tornar dono das industrias fumaça, esse é meu legado, eu dizia.
Mas eu aprendi que, legados não são algo fácil de suportar, a herança de seu pai ainda está marcada na sua pele, enquanto a herança do meu velho me fez governador de uma província e dono da maior produtora de golens do mundo.
Sabemos o peso de ser uma figura pública, de ter inimigos e nunca poder confiar em alguém.
Chegou ao meu gabinete um jornal chamado "Folha do povo", nele a manchete sensacionalista me chamou a atenção, "Seria o culto de Ollun responsável pelo sol parado no céu?", não vou negar que fiquei bastante intrigado.
Talvez você não saiba, mas, recentemente o culto de Ollun tem ganhado muitos seguidores e estão tentando se instalar aqui em Elbing. Ravi não tem poupado esforços para aumentar sua influência nas outras províncias da Liga, e isso tem deixado muitos políticos e nobres preocupados. Você melhor do que ninguém sabe, quando políticos se sentem ameaçados eles fazem da nossa vida um inferno.
Mas não foi pra reclamar da minha posição no governo ou relembrar do passado que eu escrevo esta carta para você, tenho informações para lhe passar.
Fiz uma pequena pesquisa e descobri que foi você que vazou informações para imprensa sobre o relato na reunião do concelho. Não pretendo espalhar isso para te prejudicar, mas quero lhe dizer que, ao ler toda matéria, fiquei chocado com a coincidência do relato.
Há exatos dois dias, uma jovem entrou em um dos meus armazéns, a princípio, acreditei que se tratava de algum tipo de roubo ou espionagem industrial, sabe como é, o marcado atualmente está extremamente competitivo e meus rivais pagam uma fortuna por qualquer tipo de informação privilegiada sobre meus projetos.
Quando meus golens de segurança à capturaram fui informado que ela tinha uma história muito peculiar e que provavelmente eu iria querer ouvi-la, então desci até a central de segurança para fazer parte do interrogatório da garota.
Quando cheguei na instalação, o chefe de segurança me disse que, quando foi capturada, a garota se encontrava em estado de choque, gritando coisas sem sentido ao vento e fazendo ameaças para os golens e os guardas, dizendo que iria "nos purificar".
A sala era bem comum, com paredes brancas, sem janelas, com apenas uma mesa e três cadeiras no centro da sala, estava frio, era manhã e eu ainda não tinha tomado meu café.
Me deparei com uma moça muito mal cuidada, usava uma camisa preta cheia de rasgos e suja de comida, com cabelos castanhos bem curtos, à primeira vista ela certamente parecia um garoto de rua. Quando levantou seu rosto para fitar quem entrava na sala, eu percebi uma marca na parte direita de seu rosto, uma cicatriz em formato de mão, cobria do maxilar até a base da sobrancelha, aquilo chamou minha atenção, e você sabe como eu sou, se algo me chama atenção, não consigo parar de pensar naquilo.
O jovem relatado no jornal, dizia ter ganhado a mesma marca que ela tinha, só que em outro lugar, isso me deixou extremamente curioso, comecei então a interrogar a garota.
Ela disse que se chamava Nada, isso mesmo, eu achei que ela estava brincando com a gente, mas ela se mostrava muito irritada quando era chamada de qualquer outra coisa.
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Cartas Perdidas
FantasyEm um mundo distante, cartas são perdidas facilmente, algumas com segredos, outras com relatos que podem responder perguntas inquietantes como, por quê o sol ta congelado no céu. Existe uma correlação entre eventos espalhados pelo mundo? Tudo isso...