Náusea

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Estou imóvel. Perdido em meio à escuridão. Despido de qualquer esperança. Nunca imaginei me ver assim, fraco, aguardando apenas que a dona Morte me tome pela mão e faça sua colheita. É incrível como fazer seus pulmões aceitarem que não há ar para ser respirado é uma tarefa difícil e assustadora. É uma luta angustiante. Como quando sua garganta é acometida por algo indesejado forçando-a a ser preenchida com uma golfada ao invés do oxigênio.

Foi assim pouco antes de me olhar no espelho e com repulsa encarar aquele rosto amarelado. As pálpebras pareciam se apoiar sobre as enormes bolsas escuras que sustentavam os olhos. Aquela coisa gosmenta e esbranquiçada com pequenos grãos de arroz escorria lentamente pelo ralo como se se agarrasse e implorasse para não descer cano abaixo. Dei uma cusparada na esperança de que o gosto azedo fosse embora. Juntamente a um suspiro murmurei em desgosto. A garganta tentava se fechar sempre que o refluxo se empenhava em me dominar. Eu vinha vencendo este duelo deste que a noite começara, mas enfim perdi.

Eu não fazia ideia de por quanto tempo eu estive trancado naquele banheiro, sabia apenas que era tempo o suficiente para que Nati se preocupasse. Ela muito provavelmente já esperava esse comportamento. Em seis anos de namoro ela fora capaz de me conhecer quase que por completo.

Abri a torneira para que o lavabo ficasse limpo e, claro, joguei um pouco de água no rosto. Continuava com uma aparência cadavérica, mas ajudava a não parecer tão nauseado. Em seguida, um pouco de água dentro da boca seguido de um gargarejo para tirar a acidez do sulco gástrico da língua.

O celular em meu bolso tocava incessantemente desde que agachei como um corcunda, com o rosto enfiado na pia para vomitar. Peguei o aparelho para ver quem me ligava em momento tão inoportuno. Não, eu não ia atender. Coloquei no modo silencioso.

Esfreguei as têmporas com força com movimentos circulares em busca de algum estímulo que fizesse meus sentidos voltarem a estar sob controle. Minha mãe costumava dizer que chupar uma pedra de gelo ajudava, eu tentei, mas acredito que foi justamente isso que induziu as correntes de vômito. Nem mesmo a Bromoprida funcionava mais.

Desafrouxei a gravata para que a garganta se sentisse aliviada e não me fizesse tão mal como vinha fazendo. A respiração ofegante parecia incitar o estômago a devolver tudo o que havia em seu interior – a esse ponto era quase nada.

É estranho ter algo em sua faringe lutando contra toda a ordem primordial já estabelecida de seu organismo, guerreando para forçar a saída para o mundo aqui fora, lhe gritando pela carne que seu corpo não é seu habitat natural. Um pequeno ponto estranho preso ao seu corpo e por natureza o que você faz é pôr tudo para fora para que as coisas voltem ao normal.

O desconforto do celular vibrando sobre a coxa incomodava cada vez mais. Tomei o aparelho novamente para confirmar o que suspeitava. Era o mesmo número. O rosto abatido corou conforme o sangue esquentava. Recusei a ligação mais uma vez e o devolvi ao bolso. Eu precisava extravasar. Os socos repetidos contra o toalheiro, cada vez com mais intensidade, resultaram em um belo corte nos dedos.

Lavei o ferimento e estanquei o fino sangramento com a toalha. Encarei novamente aquele rosto que agora era um misto de enjoo e ódio. A situação me forçava a fingir a melhor expressão de ternura que eu conseguisse. E era isso o que faria.

Com uma expressão artificial e nada convincente caminhei a passos cambaleantes pelo corredor em direção as escadas que agora pareciam ter mais degraus para descer do que quando subi. O som de violinos juntamente a um coro destoante de conversas aleatórias já podia ser ouvido.

Estiquei o pescoço para que minha visão ficasse acima da multidão e pudesse encontrar minha mesa. Pelo tempo de espera Nati deveria estar encolhida sobre a mesa e entediada. Não seria uma tarefa difícil – aquele salão não podia ser infinito –, mas definitivamente não seria tão fácil.

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