Capítulo 5

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Rapaz insolente, irritante e imbecil

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Rapaz insolente, irritante e imbecil.

Eu não parava de ofendê-lo internamente das mais diversas formas possíveis ao ver o quanto ele havia conquistado rapidamente toda a minha família. Seu sorriso fácil e sua falsa gentileza tiravam sorrisos e palavras amigáveis de todos ali presentes, inclusive do meu pai.

-Então Miguel, conte-nos o que lhe trouxe a nossa modesta cidade. -diz seu Antônio animado.

-Vim a trabalho, senhor. Deus me guiou até aqui para realizar os seus propósitos, e creio que conseguirei mais serviços aqui no Rio. -ele responde naturalmente repetindo mais um pouco do caldo de frango. O sorriso satisfeito da minha mãe ao ver que ele havia gostado da comida me fez revirar os olhos.

-E em que trabalha caro rapaz? -meu pai continua.

-Sou carpinteiro, senhor. -ele responde rápido.

-Meu sobrinho é um homem trabalhador, quase não para em casa. -diz o pastor sorrindo orgulhoso.

-Tá vendo Frederico? Aprenda com bons exemplos. Se trabalhasse duro como este rapaz eu não precisaria ainda estar te sustentando. -diz meu pai olhando pra Fred que começa a tossir depois de comer uma colherada de caldo.

-Eu vou ser missionário pai, já disse isso pro senhor. -responde meu irmão, se limpando da bagunça causada pela tosse.

-Até lá era bom arranjar um serviço. Seu pai é rico, você não. -diz meu pai o olhando firme e Fred abaixa a cabeça.

-Não seja tão duro com o menino Antônio. Se ele deseja seguir o caminho do Senhor, deveria orgulhar-se. Deus o mostrará o caminho. -diz o pastor gentil e meu pai apresenta uma expressão reflexiva.

Com o clima estranho, minha mãe se pronuncia, mudando de assunto.

-Querido, estávamos precisando mesmo de uma reforma na área do jardim não acha? A tempos venho lhe pedindo isso, temos um banco quase caindo e uma varanda mal coberta devido a última chuva torrencial que tivemos. Precisamos de um carpinteiro...-minha mãe diz de forma doce tocando a mão do meu pai.

Ele, que não conseguia dizer não ao olhar apaixonado de sua esposa, se esqueceu logo da tensão com o filho e concordou. Eu e Fred já estávamos completamente acostumados com a relação carinhosa entre meus pais.

-Verdade meu bem. Miguel, está interessado no serviço? -meu pai pergunta ao homem irritantemente sorridente a minha frente e eu acho que vou explodir. Solto a colher no prato forte demais e acabo chamando atenção mais do que deveria.

-Não, ele não está. -digo e vejo o sorriso de Miguel aumentar mais ainda, potencializando a minha frustração.

-Na verdade estou mais que disponível, senhor. Obrigada pela oportunidade. -ele responde altivo e bebe seu suco de acerola olhando em minha direção pra me provocar.

Ele só podia estar de brincadeira! Imagine este homem aqui em casa todos os dias testando a minha paciência? As coisas não estão boas pra você ultimamente, Esmeralda.

-Então está resolvido. Poderá começar na segunda. -diz meu pai levantando o copo como comprimento e eu bufo em indignação.

-Esmeralda minha querida, irá ao culto amanhã? -pergunta pastor Ed me tirando dos meus pensamentos raivosos.

-Ah...hum...-pensa Esmeralda pensa...-Não posso pastor, tenho estado ocupada estudando para o vestibular. -digo por fim como desculpa e me arrependo logo depois ao perceber que acabei de dar início a uma conversa sobre mim. Pelo menos me livraria de ir à igreja amanhã, quanto mais eu pudesse continuar fugindo desse impasse com Deus, eu fugiria.

-Oh, não acredito. Minha bela jovem voltou a querer estudar novamente? Estou tão feliz por esta atitude minha menina, significa que está seguindo em frente. -diz pastor Ed de forma carinhosa e ignoro o olhar curioso de Miguel sobre mim.

-Pra o senhor ver Ed, minha garotinha é corajosa. Ela decidiu esta semana que irá cursar história e ser uma professora. O senhor sabe, devido a cadeira e tudo mais, são difíceis as opções de trab...

-Sim ele sabe pai. -interrompo tentando cortar a conversa, pois aquele ainda era um assunto delicado pra mim. Meu sonho de fazer dança ainda inflava em meu peito e a cada dia em que eu acordava e não sentia as minhas pernas, era um lembrete constante do que eu nunca poderia realizar.

No entanto, eu sabia que precisava fazer alguma coisa além de trabalhar na loja de discos com Mad. Não queria dar mais motivos para a falácia do bairro sobre a Esmeralda aleijada e sem futuro.

Quando o almoço chegou ao fim, todos se levantaram, e saíram conversando amenidades. Miguel não falou mais comigo e eu o agradeci internamente por isso, vendo ele e o pastor indo embora algum tempo depois.

Sem ter mais o que fazer, me dirijo ao meu quarto e fecho a porta, cuja maçaneta já era localizada mais abaixo que o normal para que a simples ação não fosse dificultada.

Observo meu quarto gigante e decorado em tons de branco e amarelo, que eram as minhas cores favoritas. As paredes, no entanto, só possuíam mesmo a pintura. Todos os quadros que enfeitavam meu quarto com minhas fotos de bailarina haviam sido retirados por ordens minhas.

Depois de um tempo, era doloroso demais olhá-las e pensar que eu nunca mais seria daquela forma. Doce, carinhosa, com passos tão leves quanto uma pena. Todos diziam que eu dançava tão lindamente como um pássaro livre, e era assim que eu me sentia. Livre.

Hoje, eu me sinto presa. Não apenas a cadeira de rodas, mas a meus próprios sentimentos. Eu me fechei para o mundo, mas não poderia mais me fechar a minha família, que sempre tentou fazer tudo para me agradar e tentasse fazer com que minha vida continuasse normal na medida do possível.

Então, encontrei um escape para me expressar no objeto que estava em minha frente, em cima da minha mesinha de madeira: a máquina de escrever.

Movimento as rodas da minha cadeira até a mesa, e respiro fundo sentindo toda a emoção tomar conta de mim. Nas minhas poesias, eu podia utilizar as mais diversas palavras escondendo minhas dores nas entrelinhas sem que ninguém percebesse. Coloco uma folha na máquina, e começo a digitar.

Queria eu, voltar a voar
Queria eu, ser como um pássaro livre
Queria eu, aprender a amar
Queria eu, ter a força de tigre.

Voar para conhecer lugares onde jamais estive
Ser livre para sair da prisão dos meus próprios sentimentos
Amar para dizer encontrar o que todos procuram
Ser forte para enfrentar meus dolorosos pensamentos

Queria eu, entender os propósitos de Deus
Queria eu, encontrar esperança
Queria eu, realizar meus próprios sonhos
Queria eu, a paz de uma criança

Entender para tirar as dúvidas de meu coração
Ter esperança para acalentar os meus problemas
Realizar meus sonhos para me sentir completa
Ter paz para parar me esconder atrás dos meus poemas.

Dom Supremo [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora