Capítulo 1 - Vicente

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Cheguei no apartamento que dividia com colegas nos últimos dois anos e estava atrasado.  Aquela era minha residência desde que entrei na Universidade Federal em Campinas e precisei sair de São Paulo onde morava com minhas tias.
- Porra Vicente, está atrasado! Vamos logo! Não quero que minha irmã fique achando que faltarei em sua apresentação.
- Estarei pronto em dez minutos! Fique calmo! Serei rápido.
Tomaz era um cara bem sossegado.  Nos conhecemos quando me procurou para dividir o aluguel comigo e Rafael.
Desde o primeiro ano do colegial eu e o Rafa fazíamos esse plano e como era muito espaçoso só para nos dois, resolvermos abrir as portas para mais alguém.
Enquanto os dois faziam Direito, eu me dedicava a Economia dia e noite.
Eu tinha uma paixão pelo tema desde os dezessete anos quando fiz meu primeiro investimento e descobri como fazer o dinheiro trabalhar para mim.  Tornou-se uma paixão.
Gostava daquele lema de “ganhar dinheiro enquanto dormia” e era isso que eu fazia. O tempo todo entretido com taxas, riscos e bolsa de valores.
Arriscaria dizer,  que já tinha um bom dinheiro aos vinte e quatro anos, mas nem de longe estava satisfeito. Meu plano era ser um investidor e isso era o que eu seria!
Sempre que eu traçava uma meta eu fazia tudo para atingir meu objetivo e sempre saia vencedor. Sempre! Derrota não fazia parte do meu vocabulário.
- Pronto! Falei que seria rápido.
- Vamos com seu carro?   A pergunta de Tomaz soou mais como uma sugestão.
- Vamos!
- Seus pais estarão lá?
Era a primeira vez que acompanhava Tomaz em algo tão pessoal.
- Estarão sim! Bom...você já sabe que meus pais são um pouco estranhos, então não se espante com nada.
Acabei sorrindo diante do comentário dele. Sabia que ele tinha uma família excêntrica, um pai bem exigente que contribuíam para que ele fosse um daqueles nerds, um irmão mais velho que não era tão próximo e Alice, sua irmãzinha.
Ele falava dela com tanto carinho e com tanta proteção que me fizeram aceitar aquele convite por simples curiosidade.
Sinceramente nunca havia visto um irmão que se preocupasse tanto como Tomaz.
A viagem até São Paulo foi rápida e quando chegamos perto do teatro iniciamos uma maratona para achar onde estacionar.
- Vá indo Tomaz! Te encontro lá dentro.
Levei cerca de quinze minutos para encontrar um local e  só tive sucesso por que aceitei ser extorquido pelo flanelinha, que cobrou cinquenta reais para que eu deixasse o carro no local.
Estava na porta do teatro quando me dei conta que não sabia o número do assento.
– Porra! Xinguei alto, fazendo com que algumas pessoas olhassem para mim.
Comecei a acompanhar o fluxo até a entrada e fiquei esperançoso que Tomaz estivesse na porta esperando por mim. Subi as escadas e precisei me decidir para qual lado ir. A ou B? Pensei rápido, até por que as pessoas que vinham atrás não me dariam muito tempo para optar.
Optei pelo lado B!
O teatro estava lotado e nem sinal de Tomaz! Voltei ao corredor para pegar meu celular. Já estava ficando irritado, tentando fazer uma ligação naquele local barulhento e me sentindo como uma pedra no caminho. Não importava para onde eu fosse, parecia estar sempre no caminho de alguém, até que eu a vi.
Senti meu coração parar.
O coque bem preso deixava o rosto em evidência, os olhos escuros combinavam com o cabelo e estavam destacados por uma maquiagem cintilante. Baixa e magra, com o corpo bem delineado pelo collant pérola e a saia em tule.
Eu nunca tinha visto nada mais belo. Era angelical!
Mirei seus pés e a sapatilha amarradas à canela com fitas em cetim completavam a imagem da bailarina.
Não conseguia tirar os olhos dela.  Sentia como se uma força além do meu controle me fizesse ficar vidrado nela, até que nossos olhares se encontraram e rapidamente ela desviou, mirando o chão.
Fui arrancado daquela miragem pelo toque do meu celular.
– Onde você está Vicente?
- Lado B!
- Vem logo! Estamos aqui mesmo.
Passou o número da fileira e poltrona e nessa breve conversa, perdi ela de vista.
Passei pelas pessoas, pedindo licença e quando finalmente me acomodei, cumprimentei seus pais com apenas um aceno.
O homem era sisudo e não demonstrou nenhuma simpatia em minha presença enquanto a mulher estava totalmente alheia ao que acontecia em seu redor, apenas olhando para o palco.
- Ficamos muito longe! O pai dele reclamou.
Realmente não era possível ver o espetáculo com clareza de onde estávamos, mas não estava preocupado. Na verdade, minha única inquietação era ver a bailarina novamente.
Após alguns minutos, o pai de Tomaz se levantou e rapidamente fez sinal para que a mulher o acompanhasse.
- Sabia! Duvidava que ele fosse se conformar com um lugar que não estivesse à sua altura.
Tomaz resmungou e dei graças à Deus, por que achei o pai dele bem antipático.
O espetáculo começou e assistimos à algumas apresentações. Embora não fosse amante de Ballet, era bem agradável aos olhos.
- Agora vai ser a turma de Alice! Ajeitou-se na cadeira, fazendo com que eu fizesse o mesmo.
Quando as bailarinas começaram a invadir o palco em passos tão suaves como se estivessem voando, senti meu coração acelerar. Ela estava ali!  Eram as mesmas roupas da minha bailarina!
Esforçava-me para encontra-la entre as demais meninas enquanto Tomaz não tirava os olhos da apresentação. Ele nem piscava!
Foquei em procura-la e quando finalmente a encontrei, meus olhos acompanhavam cada pirueta, cada gesto. Estava assustado com àquela sensação!
Quando os aplausos começaram, Tomaz levantou-se.
- Vamos! Agora que Alice dançou, papai não vai ficar nem mais um minuto aqui e quero falar com ela antes que eles partam.
Precisei apressar-me para acompanhá-lo. Parecia desesperado e me aproveitei da situação para fazer minha busca.
Chegamos ao corredor e não demorou muito os pais de Tomaz despontaram.
- Cadê a Alice, pai?
- Foi buscar as coisas dela.
Estava tão deslocado diante deles que fiquei mexendo no meu celular enquanto eles esperavam em silêncio.
Era estranho tanto silêncio quando meu critério era de muito falatório, pois minhas tias eram muito comunicativas.
- Alice!
Quando ergui meu rosto, não podia acreditar. Tomaz abraçava a irmã com carinho e me chamou.
- Vicente, essa é minha irmã Alice.
Lá estava ela! Minha bailarina!
Com dificuldade ergui minhas mãos que encontraram a dela num comprimento suave.
- Vicente?
Quando o pai deles escutou meu nome, voltou-se em minha direção, fazendo com que tivesse que abrir mão de admirar Alice.
- Sim pai, esse é o Vicente!
- O investidor?
- Ainda não! Mas estou chegando lá!
- Rapaz, meu filho me disse sobre suas habilidades. Por favor, peço que me procure!
Estendeu um cartão em minha direção.
Consultei o cartão: - Claro Sr. Artur!
- Pode me chamar de Artur! Artur Ramos.
- Vamos Alice! Puxou a menina pelas mãos e ficamos apenas eu e Tomaz parado.
- Tchau meu filho. Por favor, apareça que estou sentindo sua falta.
- Pode deixar mãe!
Deu um beijo na mulher que era bonita como a filha. – Vai logo mãe, antes que o pai fique bravo.
Fiquei ali parado olhando Alice partir e naquele momento eu decidi...ela seria minha...a minha bailarina.
Entrei no carro em silêncio, arquitetando como fazer perguntas à Tomaz sem levantar tantas suspeitas.
- Pensei que sua irmã era..digamos, mais infantil.
- Mas ela é!
Parei, olhando em direção a ele, desconcertado com sua resposta.
– Não, ela definitivamente não é!
- Pode acreditar em mim! Ela é! Ela tem dezesseis anos e a experiência de uma criança de cinco.
Isso foi tudo que disse sobre ela, mesmo diante de várias tentativas frustradas. Depois de um tempo acabei desistindo.
Uma semana após o espetáculo, cheguei em casa e havia sobre a mesa da sala um envelope e muitas fotos espalhadas.  Quando detectei de quem era, fui indiscreto.
Várias fotos do dia do espetáculo. Um festival de Alice em vários ângulos! Não me contive, como um ladrão barato, furtei uma das fotos. Tinham muitas e com certeza Tomaz não notaria.
Entrei no meu quarto com aquela ansiedade de alguém que sabe que está fazendo algo errado e na proteção do meu canto, deitei em minha cama, observando a foto.
- Alice! Minha bailarina!
Não importaria quanto tempo demorasse e que eu fosse mais velho que ela oito anos. Ela seria minha mulher!  

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