O Primeiro Beijo

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21 de setembro de 2020

Querido diário,

Desculpe pelo meu sumiço neste fim de semana, fui para casa da minha avó e acabei te esquecendo na gaveta (ainda bem que estava trancada!!!). Muita coisa aconteceu e eu ainda estou tentando organizar os fatos, mas o que posso adiantar é: FINALMENTE BEIJEI! Não sei explicar como foi meu primeiro beijo. Tipo assim, era uma mistura de "baba" com restos de bolacha. Não havia condições de aquilo ser um beijo incrível como as pessoas descreviam! Ele tentou colocar a língua na minha boca e... ARGH! NÃO É POSSÍVEL! Como tem pessoa que consegue gostar disso? Não deu. Chega. Isso não é pra mim. Empurrei o pobre galã da rua e: vomitei. Lindamente joguei todos os alimentos triturados com uma mistura ácida que parecia corroer meu esôfago na roupa do cidadão mais bonito da rua da casa da minha avó. Ou seja, nunca mais volto pra lá!

Mas calma que a história não acaba aí... Hoje aconteceu muita coisa também.

Óbvio que cheguei na escola e contei para a Thamires, minha bff, o que tinha acontecido. E claro que ela teve um "chilique" e começou a falar alto para a sala inteira ouvir (não com essa intenção, que fique claro, ela que é escandalosa mesmo).

— Eu não acredito que você, Anelise Vieira dos Santos – detesto quando ela fala meu nome completo – vomitou no chuchuzinho do Reinaldo. Miga, cê tá doida né?

— Fala baixo, sua retardada. – Olhei para os lados. Com certeza alguém tinha ouvido essa gralha e a pouca reputação que me restava foram para os ares! – O beijo foi estranho, não sei explicar. Era muito molhado, sei lá, seboso...

— SEBOSO? – Sim, sim, sim, definitivamente esse foi o grito que acabou com o pouco que restava da minha vida e eu quis enfiar a cabeça num buraco igual um avestruz.

E é claro que alguém apareceu para saber o que estava acontecendo.

— Oi, meninas. O que tá pegando?

Eu queria dizer que nada estava acontecendo, mas a Thamires gritou tantas informações relevantes para qualquer pessoa com o mínimo de cérebro sacar a conversa, que foi impossível enrolar o Léo.

— Meu primeiro beijo foi horrível. – tentei responder da maneira mais natural possível.

— Você era "BV"? – Léo esbravejou. BV é a sigla mais idiota que já inventaram para quem nunca beijou na boca. "Boca virgem".

— Caramba, vocês tem problema nas cordas vocais?

— Miga, você sabe que isso não é normal. Temos dezesseis anos.Todo mundo já beijou. – não senti firmeza nessa última frase da Thamires, mas achei melhor não comentar sobre isso naquele momento. – E não é porque sua primeira vez foi um fracasso que você deve desistir.

— Pois é. – se intrometeu o Léo. – Você não é a coisa mais linda desse mundo, mas é uma garota com charme. – juro que tentei levar isso como um elogio. – Talvez o rapaz que não seja bom de boca, só isso. Você precisa de alguém com mais experiência...

— Como quem, Léo? Você?

Eu juro que se eu tivesse uma metralhadora naquele momento, teria atirado na Thamires até ela ter furos em cada partezinha do seu corpo. Léo é o meu crush desde a terceira série e a bendita sabia muito bem disto.

— Quem sabe? – Tenho certeza que virei um pimentão nesse momento! – Vamos nos encontrar na rua do cemitério ao fim da aula, só preciso resolver um assunto com os garotos antes, beleza?

Léo deu uma piscadinha pra mim e saiu. VOCÊ VIU ISSO, DIÁRIO??? (Tudo bem, eu sei que não, mas foi incrível).

Agarrei o braço da Thamires e com certeza aquilo deixou marcas. Precisava de um chiclete para amenizar o mau hálito, precisava de um perfume... Na verdade, precisava de um banho e uma geral em um salão de beleza, mas nada disso estava fácil de conseguir naquele momento. EU IA BEIJAR O LÉO! Você sabe que esse seria o evento mais importante da minha vida! Calma que ainda não acabou, sou detalhista.

— Meu Deus, Thamires, eu não posso ir sozinha.

— Pode sim, você sempre sonhou com isso.

— Thamires, me ajuda. É o Léo! – eu estava surtada, certeza. - Como vou beijar o Léo se nem sei o que estou fazendo? Minha primeira experiência foi horrível! Você. Vai. Comigo.

— Obrigada, mas não.

— Você me colocou nisso, então vai. E acabou.

Céus, eu estava ansiosa e com muito medo ao mesmo tempo. Foi a primeira vez que os gritos da Thamires trouxeram bons resultados. Achei que fosse vomitar de ansiedade... Não, pera. Risque "vômito". Vomitar não é legal.

Mas vamos ao que interessa né? Thamires e eu fomos ao encontro e ficamos escondidas em um dos cavaletes da rua próxima ao cemitério. Ela havia mandado uma mensagem para o Léo, avisando onde estaríamos. Ele respondeu com um seco "ok", mas poderia ser apenas minha imaginação, mensagens instantâneas são assim, não temos como prever o que a pessoa do outro lado da tela está sentindo.

Passou-se uma hora. Tudo bem, ele disse que tinha outra coisa pra fazer, parecia estar demorando porque eu estava ansiosa né?

— Posso perguntar se ele vai demorar muito... – sugeriu Thamires.

— Não, ele deixou claro que tinha um compromisso antes. Vamos esperar só mais um pouco.

Mais uma hora. Nenhuma mensagem.

— Ai, vou mandar.

— Thamires, não...

Não a impedi, uma parte dentro de mim realmente queria que ela enviasse uma mensagem. "Vai demorar? Estamos com fome."

Mais uma hora. A resposta finalmente veio: "Não irei."

Nesse momento entrei em pânico, diário! Realmente pensei que iria morrer com a lembrança horrível do meu primeiro beijo com Reinaldo e que quando contasse essa história para meus sobrinhos, eles iriam rir e desejar que nunca acontecesse com eles. Era minha ruína! Propus irmos embora, já havia perdido tempo demais.

— Ane... – Thamires segurou meu ombro esquerdo gentilmente, talvez tentando me consolar. – Não fique triste por hoje. O Léo é um idiota e isso não é nenhuma novidade.

— Você tem razão... – mas é difícil não se achar uma bosta né? – Não sei como eu pude me deixar levar na conversinha imbecil dele. Não deixe que isso se repita tá?

— E olha... Sobre a questão do primeiro beijo... Apesar de eu não ter experiência nenhuma nisso...

— Quê!? Você sempre disse que perdeu o BV com seu primo, sua cretina!

– Tá, tá... Deixa eu terminar, sua doente. – Thamires respirou fundo. Notei que ela precisava de muita concentração e coragem, então mudei minha cara de quem a estava julgando por mentir. – Não tenho experiência, mas quero acabar com a sua decepção.

Então ela me aconchegou de surpresa em seus braços e me beijou! De início eu não sabia como reagir, apenas retribuí com medo. Não queria vomitar na minha melhor amiga, mas então... Fui ficando mais a vontade, retribuindo ao abraço dela e deixando que sua língua invadisse minha boca. E foi bom. Sem ânsias ou resto de bolacha pelos lábios. Como ela sabia fazer isso tão bem? Bom, não importa, o importante é que agora posso passar uma borracha na aberração que foi beijar o Reinaldo.

É isso, diário! Meu primeiro beijo foi com a minha melhor amiga! Não sei como será daqui pra frente, mas estou muito feliz.

Beijinhos e boa noite!

Anelise. 

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