Já era noite quando Mari levantou de sua cama completamente assustada e percebeu as sombras dançantes em seu quarto que surgiam e desapareciam junto a brisa gelada que entrava pela janela.
— Pelo Anjo... — Mari deslizou o seu corpo pela cama, ainda ofegante e com um leve arrepio na espinha, até tocar os pés no chão e encontrar seu par de botas logo ali, estrategicamente colocadas para que sua fuga noturna fosse rápida.
Depois de calçar suas botas e ignorar os presentes que Marcos e Júlio deixaram em seu criado-mudo com um cartão de natal colorido, junto a uma mensagem idiota e clichê desejando que todos os seus sonhos se realizassem e que a magia do Natal invadisse seu coração, Mari parou em frente a janela de seu quarto para observar as luzes coloridas que piscavam irritantemente, numa mistura de vermelho, azul e verde.
Ela fechou os olhos e lembrou-se de seu irmão, Ígor, que acabara se tornando seu parabatai, depois da magnífica luta contra demônios-macacos na estrada ao pé do Convento, uma construção histórica posicionada em um dos picos mais visíveis da cidade, e que, por sorte, tinha vista limpa de sua janela.
Mundanos do Brasil inteiro vinham para subir a estrada até o pico do Convento, levando suas preces e pagando seus juramentos aos Anjos. Para os Caçadores de Sombras — uma raça de guerreiros que tinham sangue Nephilim correndo em suas veias, com a missão de manter os humanos a salvo de demônios e que ganhavam habilidades para auxiliar nas batalhas através de runas angelicais desenhadas em suas peles —, o Convento era um totem utilizado por trás das camadas de magia, como uma espécie de âncora para ajudar as Ilhas de Wrangel a sustentar a barreira de proteção à Terra contra demônios.
Por algum motivo, seu cérebro começou a acessar uma de suas primeiras memórias relacionadas ao Ígor. De repente, ela se viu pequena correndo por entre o chão amadeirado do Instituto do Rosário e sendo observada por aqueles grandes e familiares olhos verdes, que faziam para ela uma careta divertida. Na época, a cor era muito mais vibrante e chamativa do que quando olhou em seus olhos pela última vez e os viu num tom quase negro.
— Ave Atque Vale. Para todo sempre, meu irmão, saudações e adeus.
Mari começou a enxugar as lágrimas que tentaram, falhamente, bancar as equilibristas em seus olhos, e ouviu os passos no corredor em direção ao seu quarto. Seus músculos enrijeceram e as memórias foram sufocadas em sua mente e coração.
Ela se aprumou para sair pela janela em um movimento realizado mais vezes do que ela era capaz de contar, mas o suficiente para seu corpo executar a fuga de forma automática, como uma dança solo ensaiada muitas vezes.
Seus reflexos, porém, não foram rápidos o bastante, e quando suas mãos ainda estavam segurando a janela, uma faca cortou o ar e cravou certeiramente no mecanismo da janela que a mantinha aberta, fazendo-a fechar numa velocidade que fez com que Mari ficasse confusa e irritada.
— Inferno, Júlio! — Mari segurou a faca apagada de adamas, um metal celestial exclusivo para matar demônios e que brilhava ao receber o nome de um Anjo numa batalha, e a retirou da parede num movimento de ataque, arremessando a faca em direção a Júlio, que, em um reflexo perfeito, provavelmente por causa da runa de Agilidade cravada em seu braço, jogou seu tronco para trás, apoiando sua mão no chão para não cair e pegando o cabo da faca ainda no ar, seguido de um pulo que obrigou seu corpo a dar um mortal acrobático que o fez ficar de pé com uma cara de divertimento que irritava, mas que Mari tinha que admitir, era linda de se ver.
— É sério, Mari? Você vai mesmo sair na véspera de Natal? O Instituto está todo decorado e Seu Pedroso fez o banquete com suas próprias mãos. — Júlio disse, fechando a cara num tom claro de reprovação e tristeza.
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Sombras Natalinas - Um conto de Natal do Mundo das Sombras | Shadowhunters
Teen FictionMari é uma caçadora de sombras implacável e está seguindo rastros de magia natalina, uma espécie rara de magia vista apenas duas vezes no mundo, em uma delas a magia matou seus pais, em outra, matou seu irmão Ígor, que também era seu Parabatai. Ness...