Prólogo - Sonho

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— Mas não foi o que você tinha dito!! — argumentou com gostosas gargalhadas, o cinto prendendo seu corpo junto ao SUV cinza. Estava descontraído, uma das pernas levantada, fazendo com que o pé, sem calçado, visto que esse havia sido abandonado a muito no local onde originalmente deveria estar também seus pés, encostasse diretamente no couro cor de creme, enquanto a outra, repousava dobrada em posição de índio.

— Aish! — comentou seu companheiro, no banco do motorista, enquanto bagunçava os cabelos da nunca em nervosismo. Olhou para o garoto ao seu lado e sorriu, o acompanhando na gargalhada. — Você sempre me pega, não é? — questionou ao bagunçar os cabelos castanhos do menor, o sorriso ainda adornando sua face.

— Pego! — debochou enquanto balançava os ombros infantilmente, se ajeitou no banco, e deixou um singelo selo na bochecha alheia. — E sempre vou pegar! — ditou animado, voltando à sua cadeira.

— So catch me, baby — sussurrou a frase de alguma canção estrangeira, que agora, já não mais se recordava o cantor, em uma clara brincadeira de sedução.

Viu o sorriso do garoto se alargar e quando ele abriu a boca para responder a provocação do maior, seus olhos brilharam. Mas não por estar empolgado, aquele brilho não era seu, e sim refletido. E uma das ultimas coisas que viu foi o olhar de terror do jovem ao notar o carro vermelho se aproximar.

Tudo ocorrera rápido demais, quando percebeu, tudo já era uma confusão de vidro quebrado, sangue e peças destruídas. Moveu o próprio corpo sentindo cada articulação doer e pedir para que parasse, sangue escorria de sua fronte.

Saiu do veículo capotado sentindo cacos rasgarem sua pele ao que a arrastava contra os objetos que revestiam o chão. Tentou ficar em pé, mas caiu na primeira tentativa, as pernas ainda bambas pelo ocorrido. Na segunda, mesmo com elas ainda moles e trêmulas, conseguiu.

Chamou por um nome que não compreendera, mas sabia ser o do mais velho. Chamou outra e outra vez ao que retornava o carro para chegar a parte do motorista. No entanto, quando o fez sentiu suas pernas fraquejarem e caírem mais uma vez. Seu rosto sendo rapidamente banhado pelas lágrimas. Chamou mais uma vez ao que se aproximava.

Tocou com cuidado o rosto do homem que amava e seu coração comprimiu, fazendo com que mais lagrimas escorressem.

— Acorde. — pediu, sentindo todo seu interior, sua alma e seu íntimo doer. — Por favor... — pediu outra vez, mesmo que no fundo soubesse que nada adiantaria, o homem estava morto, não respirava, sentia a falta do típico ar saindo das narinas do, agora, pálido enquanto lhe segurava o rosto como se fosse seu bem mais precioso, afinal, era. — Por favor, não pode me deixar. — disse enquanto ouvia as sirenes ao longe. Não havia percebido que passara tanto tempo para sair e contemplando o rosto do amado, somente com o barulho voltou a ter a perspectiva sobre o tempo, mas mesmo assim, tudo que não fosse o homem de fios escuros lhe passou como um borrão.

Quando os paramédicos chegaram e tentaram tirar-lhe do lado do corpo, gritou, não sabia exatamente o porquê, mas gritou. Sentia que se o tirassem de junto dele, não o veria mais, e assim que dois dos médicos, com cuidado, injetaram um calmante em suas veias e suas pálpebras fecharam, acordou.

Seus olhos abriram com preguiça, como se não quisessem de fato o fazer. Sentiu a fronha do travesseiro abaixo de sua cabeça encharcado, céus, tivera outro pesadelo.

Pensou em levantar, mas não conseguiu. Seu âmago doía. Tudo doía. Então voltou a chorar, mesmo que não compreendesse muito bem o porquê da ação, visto que só se recordava de pequenos flashs, sabia que estava com alguém, mas não se recordava de seu rosto, sabia que estava em um local mas não lembrava com exatidão onde, era uma rodovia? Uma estrada? Não era capaz de responder com precisão.

Mas lembrava-se de sofrer, de chorar e de chamar por alguém, lembrava que o amava, mas ele não estava mais ali por si.

Ao ouvir o som característico do despertador, Félix se levantou. Ignorando o sentimento de vazio e de tristeza, apenas se levantou e lidou como todas as vezes em que tinha um pesadelo.

Continuou sua vida, era apenas um sonho afinal.

夢 - Awaken  [CHANLIX]Onde histórias criam vida. Descubra agora