Prólogo

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Todos desejam um final feliz. Um conto de fadas, um momento inesperado que mudará para sempre uma vida monótona. A maioria das mães lê sobre príncipes encantados para suas filhas, homens incrivelmente bons e gentis, que jamais magoariam a princesa e a chamariam de louca quando ela dissesse a todos o que ele havia feito. Mulheres são constantemente desacreditadas e vistas como vilãs insanas ou garotinhas tolas e sorridentes. O barba azul está dentro de cada príncipe encantado, e, certamente, um dia, você irá encontrá-lo. Resta saber qual face ele irá revelar.

11 de janeiro de 2016

Passarinhos cantavam nas gaiolas - provavelmente implorando para serem libertados de sua prisão mórbida, mas, para mim e para o resto dos criadores de pássaros, eles pareciam extremamente felizes por estarem entoando aquela melodia que nunca compreenderíamos - o cheirinho de pães de queijo recém preparados me fazia salivar, a casa estava arrumada e impecável, e ainda restavam uma hora antes que eu realmente precisasse sair para trabalhar, e só a chuva lá fora parecia fora de ordem naquela manhã.

- Mégara? - chamei, balançando o pote de ração. Nada.


Tirando o avental e fui até o quarto, procurá-la. Alguns fios rebeldes ainda caiam ao redor do rabo de cavalo mal feito no cabelo, ainda estava de pijama quando decidi preparar o café surpresa para Felipe, meu noivo. Que graciosa surpresa quando o vi brincar com a gata no colo, cabides da sua parte do armário vazios e uma mala ao seu lado. O pote de ração quebrou quando foi ao chão.

- O que significa isso, Felipe? - perguntei apontando para a mala, minhas mãos ficaram gélidas. Ele nada havia mencionado sobre viajar no dia anterior.

- Lucy... - ele baixou o olhar, como um criminoso pego em flagrante. - Estava me preparando para ir te ver, mas acho que assim é melhor. Precisamos conversar.


Ele deu uma pausa, esperando minha reação. Comecei a tremer.

- Isso não está mais dando certo. - encolheu os ombros e apontou para ele e, em seguida, para mim. - Não acho que é uma boa ideia continuarmos juntos. 

- Espera. Isso é uma brincadeira? Tem câmeras aqui? - perguntei, alterada. Aumentei o tom de voz e peguei Mégara nos braços, tentando me acalmar em vão.

- Lucy, acabou. - ele disse, levantando e levando a mala até o corredor.

- N-Não... - balbuciei, enquanto ainda conseguia conter o choro. Por favor, não vá. Por favor, eu amo você!

Nunca me esquecerei daquele olhar de pena que ele me direcionou. Colocou a mão no meu ombro e disse suavemente, como quem pede desculpas por ter esbarrado no metrô: 

Eu sinto muito, Lucy.

Dois meses depois

O que vem depois do pé na bunda? Uma festa? Uma grande reviravolta? No meu caso, vieram três quilos, dois resfriados e um vício recém adquirido em chá de hortelã. Depois da saída de Felipe, tentei entrar em contato de todas as formas: tudo em vão. O canalha me bloqueou em todas as redes sociais e até de endereço de e-mail.

- Correspondência! - Amanda, minha chefe e amiga, avisou ao grupo de trabalho pela porta de entrada do refeitório. Ela deu alguns passos em minha direção com o rosto amargurado, como se estivesse num dia péssimo - Lucy... - enquanto se aproximava, notei que carregava um envelope dourado nas mãos, com uma fita branca.

- Quem vai pra forca? - perguntei num tom brincalhão. Ela soltou uma lufada de ar e sentou ao meu lado.

- Abra. - pediu, me entregando o papel.


"Cara senhora Lucy,

O amor precisa ser comemorado junto com aqueles que nos amam. É por esse motivo que Felipe e Yohanna convidam você para celebrar esse momento junto deles.

A cerimônia acontecerá na praia de Ipanema às 12 horas do dia 21 de abril, seguindo até o buffet La Felicidad, na rua Gregório da Paz, 1859, Juarez. Contamos com sua presença"

Não lembro o que veio depois disso, porque desmaiei. Só lembro da voz de Amanda gritando para os seguranças do hospital. Acordei em casa, na minha cama.

- É muita audácia esses cretinos te chamares pro casamento, hein? - meneava a cabeça negativamente enquanto ela gesticulava uma torção de pescoço.

- Acho que vou vomitar. - respondi, me levantando muito rapidamente da cama. Amanda me segurou e me colocou de volta no lugar. Os olhos azuis me encaravam com suavidade.

- Olha, Lucy. Eu vou dizer o que você precisa: uma noitada. - afirmou, categórica, sorrindo - E também algo pra levantar sua autoestima, você é uma mulher linda e jovem!

- Não quero me envolver, Ann. Noitadas são para adolescentes, e não acho que eu conseguiria ir muito além de uns beijos...


Sentada ao meu lado da cama, Ann ponderou. As noites mais insanas da minha vida vinham de planos mirabolantes de Amanda, a única amiga que perdurou da faculdade de medicina. Iniciávamos e terminávamos o turno na mesma hora, o que nos ajudava a manter uma certa rotina para nos vermos diariamente. A única diferença é que Ann simplesmente era desacreditada no amor e nunca tinha um relacionamento sólido.

- Já sei! Nossa, eu precisava te contar isso. - pareceu animada enquanto segurava o celular e procurava algo com uma velocidade impressionante. - A Janine, da fisioterapia, me falou de um lugar que você pode ser a mulher sexy e incrível que você é e ainda tirar uma graninha extra...

- Não vai me prostituir, né? - Perguntei, rindo. Ela ficou muda e uma pontada de aflição me atingiu. - AMANDA TELLES!

- Não é prostituição... - afirmou convicta. - É só mostrar umas partes do corpo, mas relaxa, você fica de máscaras o tempo inteiro. Que maneira melhor de você se sentir incrível do que ao lado de quem sabe apreciar e até pagar por sua companhia?

- Isso é errado! - falei apressadamente, com nojo.

- Errado foi o que seu ex fez, mas ninguém está perturbando o juízo dele! E você está indo ao terapeuta semanalmente, gastando uma grana enorme pra se tratar do dano que ele te causou! - respondeu furiosa. - Ao menos dessa forma você esquece das merdas que tem e fica aproveitando uma vida mais energética... E não precisa ter sexo! Sério, nesse lugar eles só agenciam  o show, não tem nada mais, eu juro!

Por um segundo, a ideia me pareceu sensata. Há meses eu não saia de casa ou sentia vontade de usar um vestido bonito, tudo parecia cinza. Que mal teria experimentar algo assim?:

Manchete do jornal The Elizium, em 30 de junho de 2016:

"Empresário do ramo farmacêutico é encontrado morto com prostituta, a única testemunha do crime fugiu e é também considerada a principal suspeita do assassinato" 

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