Entrando em colapso

1K 166 51
                                    

Kate

O primeiro plantão é cruel. Ele serve justamente para separar os profissionais que possuem resistência dos que não conseguirão lidar com os horários loucos que a medicina impõe.

Depois da cirurgia da paciente que se queimou tivemos mais três também por acidentes domésticos. Duas eram crianças, bastou as mães olharem para o lado dois segundos e um encostou a mãozinha no ferro de passar ligado e a outra em uma chama de vela.

Não foram tão graves quanto a primeira paciente do dia e o tratamento mais simples: analgésicos para dor e pomada antibiótica.

Nossa rotina principal foi atender esses casos da emergência e verificar os pós operatórios. Muitos eram pessoas em diversas fases de câncer de pele.

Foram vinte e quatro horas extenuantes mas para as quais estava preparada. É um dia a menos para alcançar meu objetivo.

Na manhã seguinte eu passo mal novamente, sinto um cheiro forte de cloro ao passar por um dos quartos recém desocupados e fico tonta. Não me lembro muito depois disso.

Acordo em uma maca, sem lembrar do que houve com Mark me olhando.

- O que houve?

- Você desmaiou no corredor, Vicent e eu estávamos perto e lhe socorremos. A clínica geral acha que você está desidratada, ela já volta com seus exames.

- Desidratada?

- Sim, quando foi a última vez que você se alimentou? - Mak pergunta enquanto sente meu pulso.

- No almoço de ontem, estava a caminho de fazer isso em casa após um longo banho.

- Bom, assim que seus exames de sangue chegarem você pode fazer isso.

- Eu estou bem, foi apenas o cansaço do primeiro plantão.

- Bom, outros passaram pelo primeiro plantão e apenas você desmaiou.

Uma médica entra no quarto com o que eu acho que é meu exame de sangue.

- Kate?

- Sim, quem é você?

- Prazer sou a Dra Andrea e fui chamada para lhe atender. Estou com seus exames.

Mark franze a testa e antes que eu tenha a chance de perguntar de novo quem ela é, se antecipa e pergunta por mim.

- Andrea? Quem chamou a obstetrícia para um caso de desidratação?

Obste.... Não, não pode ser! Acho que ainda estou confusa do desmaio, devo ter batido fortemente a cabeça.

A médica deve ter percebido meu olhar de bicho assustado misturado com confusão e expulsou Mark do quarto, alegando o bem-vindo sigilo médico paciente.

Se eu ouvi o que eu acho que escutei, vou me mudar para Uzbequistão assim que sair dessa cama.

- Obstetrícia?

- Bom, mamãe, acho que seu resultado positivo para gravidez é uma surpresa se esse olho arregalado é um indício.

- Grávida?

- Vim te levar para fazermos um ultrassom.

- Eu tomo anticoncepcional e não faço sexo há meses!

- Acho que não preciso lhe explicar que as pílulas não são cem por cento eficazes, você é uma médica.

- Sim, eu precisei tomar antibióticos alguns dias antes do fato, mas foram mais de sete dias antes e eu já tinha tomado praticamente toda a cartela do mês.

- Bom mamãe, vamos descobrir como vocês estão.

Um enfermeiro entra com uma cadeira de rodas para me levar para a sala de exames, ao sair do quarto encontro Mark plantando no corredor com uma interrogação e preocupação no olhar.

Balanço a cabeça, não é algo que estou preparada para enfrentar agora. Acabei de descobrir que vou ser mãe, não preciso enfrentar o pai desse filho cinco minutos após a descoberta da sua existência.

Enquanto sou preparada, respondo as perguntas da obstetra. Agora meus enjoos, tonturas e as misturas loucas de comida que tenho feito fazem sentido. Sei exatamente de quanto tempo é essa gestação: três meses, duas semanas e doze horas, não que esteja contando, ou algo assim.

O exame começa e um woash woash me faz virar a cabeça para a tela, lágrimas surgem nos meus olhos quando reconheço o som indescritível de batimentos cardíacos fetais. Apesar de pega de surpresa esse som me acalma.

- Não me admira que você se sinta mal com frequência Kate, você está grávida de gêmeos?

Sinto tudo escurecer ao meu redor novamente, luto contra a sensação que quer se apoderar de mim.

- Gême... acho que vou desmaiar de novo.

- Respira fundo pelo nariz, solte devagar pela boca.

- Me diz que isso é brincadeira Andrea, não assimilei nem a gravidez ainda, como assim gêmeos?

- Calma Kate, não é o fim do mundo. Você precisa manter a sua calma, se agitar não trará nenhum bem agora, nem para você e muito menos para seus filhos.

- Filhos, no plural?

Começo a rir histérica e a chorar ao mesmo tempo. Meu mundo que já não era dos melhores com essa troca no programa de residência acabou de se tornar complicado multiplicado por três. Triplamente complicado se levar em consideração que até ontem não via o pai desses bebês por mais de três meses.

- Isso é um pesadelo, vou acordar linda e plena na minha cama, ou melhor ainda, na minha adolescência na casa dos meus pais.

A obstetra ri e responde feliz.

- Se esse é seu lugar feliz para se manter calma enquanto termino de analisar seu exame, mantenha-se lá. Mas saiba que a sua realidade é que daqui a pouco mais de cinco meses terá nos braços dois lindos bebês para amar e cuidar. Quer saber o sexo.

- Acho que por hoje chega de informações, doutora. Sem querer menosprezar as mães que mal podem esperar por esse momento. Mas acabei de ser atropelada por essa gravidez aqui e mal consigo lidar com o que já tem no meu prato nesse momento, sem surtar.

- Justo. Bom, você está bem e os bebês, melhor ainda. Sua pressão está normal. Vou receitar vitaminas e mais alguns exames para você me trazer quando tiver absorvido o que foi jogado no seu colo hoje. Não demore muito, estamos começando seu pré-natal com dois meses de atraso e uma gravidez gemelar requer cuidados intensos.

Sou incapaz de responder coerentemente, apenas assinto com a cabeça.

- Você está liberada para ir para casa.

- Por favor, não conte para mais ninguém.

- Você tem o sigilo médico paciente a seu favor, mas uma vez que todos nesse hospital sabem que sou uma obstetra e fui chamada para lhe atender, vão adivinhar por si só que você é uma futura mamãe. Mas como médica minha intenção é seu bem-estar, por isso, vou expulsar quem estiver do lado de fora para que você possa ir para casa em paz. Aqui está meu telefone caso precise.

A obstetra me olha um pouco mais e eu fico tentando absorver tudo que aconteceu na última hora. Um desmaio, exame completo de sangue que não sei porque alguém teve a ideia de solicitar, positivo para gravidez, grávida de gêmeos...

Andrea sai da sala e eu fico só. Passo a mão pela barriga e sorrio. Só não, com dois anjinhos que estão colapsando meu mundo assim como o pai fez.

Grávida!

Laços do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora