Eu sinto o esmagar aterrorizador que é carregar a força do Oceano, e me entrego ao medo do vazio selvagem que habita em mim. Tento fingir não ser quem sou, para me agarrar a um controle frágil e artificial, que não me ajuda em nada. Preencho-me com areia e lascas, criando o barulho que sobrepõe o meu silêncio. Eu não quero ouvi-lo.
É nesta gritaria interna que eu me perco. Tão concentrada nos grãos, dos outros, que me preenchem, eu esqueço alegria dentro de mim. É preciso coragem para esvaziar.
Aceitar minha natureza, é aceitar também a governança do Oceano, que com suas ondas me carrega para onde bem entende. As águas, fora ou dentro, são mais fortes do que qualquer ideia de controle. O tempo corre até que eu aceite que devo fazer alguma coisa, antes que afunde de vez no solo no fundo deste mar abissal.
Desenterro-me na areia e miro o vazio em mim, redescobrindo os espaços que o medo me fez ignorar. A mesma força que me fez fugir, é a que me ajuda a encontrar vida no esvaziar de meus buracos.
Eu me lembro que vivo na pausa, no respirar entre os momentos. Minha música é a ausência, no silêncio. A calmaria da solitude é quem causa a vibração que me prepara para a próxima música.
Sei, por fim, que meus espaços não são vazios esperando que alguém os preencha com significados. Nas minhas curvas encaracoladas, cheias com a liberdade do ar, ecoam as minhas próprias descobertas e perguntas sem resposta.
Coloque-me sobre sua orelha e você vai escutar a música do meu silêncio. Essa é a vida que pulsa em mim.
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Conto: Ondas
PoetryO som do vazio assusta. Fujo dele, sem ter como mirá-lo, fingindo que não são meus os buracos. E afundo, até poder voltar a enxergá-los.