0. your soul's too heavy for your feet

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Sinto que estou voando, flutuando, praticamente acima das nuvens

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Sinto que estou voando, flutuando, praticamente acima das nuvens. Acima de qualquer coisa. É uma sensação poderosa. Os movimentos se tornam automáticos conforme a corrente gélida me guia pela pista de gelo familiar. São quatro horas da manhã. O silêncio sepulcral se tornou meu melhor amigo ao longo dos anos.

Poderia patinar de olhos fechados e ainda assim continuaria tendo plena noção de espaço. Tenho segurança. Conheço esse lugar, conheço meu corpo, conheço meus movimentos. Não há o que temer, murmura uma voz insistente na minha cabeça. Mas não sou tão inocente assim. Conheço todas as minhas falhas porque passei tempo demais dissecando-as para tentar entender o que fiz de errado, como me tornei um fracasso.

Lembranças não são capazes de machucar corpos, mas elas alcançam algo muito mais sensível: nossas almas.

Um ferimento aberto na perna, embora doloroso, se curará com o tempo. Patinar no gelo já me fez ter inúmeros desses; as ataduras constantes são um lembrete. Mas e um ferimento insculpido na nossa alma? O que a gente faz com um machucado que não cicatriza com o tempo?

Ganhei um desses há alguns anos atrás, que se tornou uma memória de tudo que não sou, de tudo que não tenho. Minha alma é um retalho de todos os sonhos que joguei fora e de todas as pessoas que perdi.

A sensação da lembrança me faz sentir o êxtase da dor. Sou arrancada dos meus melhores pensamentos por garras firmes, que se afundam na minha pele até atingir a carne com profundidade. O toque me queima até meu corpo se tornar cinzas. Paro de respirar.

Sempre me esqueço que não sou um pássaro. Não posso voar. Gaiolas existem em suas mais variadas formas, mas estou no pior tipo delas. Aprisionada dentro do meu próprio corpo, no íntimo da minha alma, vinculada ao meu passado. Você não pode voar, Paige. Mas insisto em tentar, e essa persistência me leva ao topo do mundo, um lugar que ninguém ousou sequer tentar chegar.

O problema de estar no topo é que a queda te estilhaça com uma precisão impressionante. Já me desintegrei em tantas partes que nem sei onde estão os pedaços faltantes. É tarde demais para procurá-los.

Nunca mais vou voltar a ser quem eu era.

Segundas Chances | REESCRITAOnde histórias criam vida. Descubra agora