Capítulo 1 - Cegueira de Mel

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— Você vai assim mesmo?

     Paro de descer as escadas no momento em que percebo que essas palavras não entraram por um ouvido e saíram pelo outro, como normalmente tem acontecido quando Diego fala. Sinto um arrepio subir minha espinha, mas mesmo assim, tremendo, pergunto:

     — Qual é o problema? Você disse que gostava desse vestido.

     Diego revira os olhos como se a resposta fosse tão óbvia que eu não devia nem ter perguntado.

     — Suas cost.. — ele para por um momento e me encara com nojo no olhar. Minha frustração é evidente, mas ainda assim tento manter minha postura. Diego levanta as duas mãos em sinal de rendição. — Quer saber? Não vou deixar você estragar essa noite. Vamos logo.

     Olho para o teto para evitar que lágrimas de raiva caiam e estraguem a minha maquiagem — tudo o que eu menos preciso agora é que ele brigue comigo por ter que retocar o rímel e atrasar a nossa reserva. Termino de descer os degraus um pouco mais devagar que o normal e o sigo até o carro.

     Não sei bem quando as coisas começaram a desandar. Minhas amigas falavam que éramos perfeitos demais para ser verdade. Nossa lua de mel — aquela fase do relacionamento quando tudo é um mar de rosas e você acredita que nada jamais poderia abalar o amor de vocês — durou mais do que o de muitos casais que conhecemos. Eu genuinamente achava que nós não mudaríamos, que ficaríamos assim mesmo quando a lua de mel passasse.

     Ele era o cara perfeito. Ele sentava na minha frente no dia em que nos conhecemos. Ambos estávamos em uma sala de espera para uma entrevista de emprego no centro da cidade. De imediato, não o percebi porque estava muito concentrada lendo o meu roteiro para a entrevista. Mas depois de tanto tempo olhando para o papel em meu colo acabei desviando o olhar para o chão e lá estavam eles. Como não reparar naqueles sapatos? Nada usuais para uma entrevista de emprego, seus sapatos naquela manhã eram nada mais nada menos que botas de cowboy. Cor marrom e de salto um pouco mais alto que o comum, as botas vinham com um acessório bem melhor do que penduricalhos ou desenhos: a confiança de quem a usava. Diego não parecia se importar com os constantes olhares e risos que recebia das pessoas que passavam por ele, exalando uma confiança incrível para um adulto vestindo um terno com botas de cowboy.

     Diego levantou a cabeça e, vendo que eu estava o encarando, deixou escapar um sorrisinho lateral que me fez corar.

     — Elas são mais confortáveis do que parecem, eu juro — comentou rindo e posicionando os pés como se estivesse posando para uma revista.

     Se antes eu estava corando, naquele momento eu virei um pimentão.

     — Ah — ri envergonhada, mas entrando na brincadeira — Confortáveis e estilosas. Com esse charme, o entrevistador vai ficar tentado a ir à um rodeio com você.

     — Se é assim, ele vai ficar desapontado em saber que eu não sei um nada sobre cavalos e só estou vestido assim porque fui obrigado à dançar no aniversário da minha sobrinha depois daqui.

     Mexi a cabeça em desapontamento, enquanto ele ria.

     — Menos um candidato roubando a minha vaga, pelo visto — dei de ombros e sorri, estendendo a mão em sua direção — Camila, prazer.

     Normalmente, relembrar momentos como esse me fazem chorar. Pensar que o que antes fomos hoje não representa nada do nosso relacionamento costuma tirar minha noite de sono. Mas agora não posso me dar o luxo de chorar e "estragar a noite de Diego". Não quero ter medo essa noite.

     Talvez eu saiba quando as coisas começaram a desandar.

     — Agora é só esperar — coloquei o teste sobre a pia e me apoiei na parede do banheiro do nosso antigo apartamento.

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