Capítulo 01

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O entardecer não amenizava o calor que fazia em mais uma tarde de verão nas ruas da Corte. Jonas afrouxou o nó do lenço no pescoço, pestanejando porque o grosso tecido da casaca se agarrava em seu corpo como se fosse um carrapato em busca de sangue fresco. Daria sua fortuna para se atirar dentro do riacho da Fazenda Socorro, uma das muitas que herdara do pai, totalmente nu, sem olhos a lhe recriminarem devido a sua falta de modos e berço.

Nem a poderosa fortuna herdada do Barão de Vilar fora capaz de lhe trazer prestígio entre os pares do Império, que sempre o veriam como um mestiço, em cujas veias corria sangue africano. Mas esse pequeno detalhe não impedia certas damas de lhe procurarem na cama. Ah, as damas de bom berço! Sempre à espreita de uma oportunidade para seduzi-lo. E Jonas gostava daquele jogo de gato e rato, deixando que todas acreditassem que o seduziam.

Era um farrista, devia concordar com tal qualitativo pouco apropriado para um filho de barão, até mesmo para um com sangue africano. Houvera o tempo em que se empenhara em ser aceito pela sociedade, dedicando-se a ser bem mais do que um filho mestiço. Mas de nada lhe adiantara tanto empenho, verdade fosse dita, e entregou-se aos vícios mais mundanos como um ato de rebeldia.

Eusébio Barros Cabral era um homem de renome na Corte, dono de imensos cafezais e de um cérebro muito astuto para empreender. Era amigo desde tenra idade do Imperador e, por isso, fora agraciado com um título de fidalguia. Uma recompensa por lhe aconselhar nos assuntos do coração. O que era uma grande ironia do destino, pois contam as más línguas que perdeu seu grande amor quando fora enviada para Lisboa pelo pai para se casar com um nobre português. Nem mesmo Dom Pedro conseguira evitar a separação, e talvez aí estivesse o motivo para aceitar que um mestiço se tornasse Barão de Vilar: uma forma de compensar um amigo pela perda de seu grande amor.

Em contrapartida, Jonas nunca conseguiu entender a estranha relação de seus pais. Não tiveram mais do que um namorico de verão e desse rápido relacionamento ele nasceu. Foi reconhecido pelo barão assim que nasceu e sua mãe foi alforriada sob as bençãos do Imperador. Instalados em um palacete em uma chácara não muito distante do Centro, teve os melhores tutores e chegou a se formar no Colégio Imperial. Teria ido para Coimbra frequentar a Universidade, mas a mãe adoeceu e não quis deixá-la sozinha.

Perdeu os pais com seis meses de diferença e desde então tem vivido como um excêntrico rico, contando com os conselhos da Duquesa de Clemont, a quem o pai tinha por uma amiga querida. Somente uma mulher como Abigail Chantal poderia aceitar recebê-lo em sua casa como membro da família. Mas também pudera! Era uma dama de muita influência junto ao Imperador, a quem todos fofocavam ser a preferida na cama de um de seus ministros mais próximos. E o fato de ser a herdeira de um senhor de engenho e viúva de um duque francês a colocava praticamente em um pedestal. Ninguém se atrevia a menosprezar suas vontades, nem que essa vontade fosse aceitar receber em suas casas o filho bastardo de um barão que nunca se casou e que escandalizou a sociedade em reconhecer um mestiço como filho.

Às vezes Jonas acabava pensando sobre suas nada convencionais origens, por mais que não quisesse. Sentia-se mal por ter tido mais oportunidades do que a maioria dos mestiços. Dentre os escravizados e alforriados corriam boatos de que sua mãe havia dado o golpe do baú ao engravidar de um fidalgo e essa fofoca o fazia se sentir ainda mais deslocado. Não era aceito verdadeiramente entre os nobres e também não era tolerado entre os africanos.

Qual seria o seu lugar no mundo?

Tal pergunta o azucrinava muito. E, infelizmente, ainda o incomodaria por muito tempo. Abigail lhe dizia que o casamento com uma dama de bom berço o faria ter seu lugar no topo da pirâmide social. Mas não poderia ser qualquer mulher, teria que ser uma de família cujo sobrenome fosse secular e muito prestigiado na Corte. Jonas desconfiava de que tal mulher ainda não houvesse nascido. Afinal, quem seria a insensata de aceitar um mestiço como marido? Talvez como um rápido affair, mas nunca para ser esposa. Essa era uma constatação que já não o irritava e se regozijava em saber que ele lhes dava prazer, coisa que talvez um fidalgo não pudesse conseguir.

Um Barão Apaixonado *AMOSTRA*Onde histórias criam vida. Descubra agora