O Primeiro Floco de Neve.

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Quando cheguei em casa, estava nevando. Eu não podia acreditar. Olhei para o céu e deixei a neve cair no meu rosto congelado. Os flocos grossos e leves caiam sem nenhum motivo em particular. Não era uma tempestade, de modo algum. Era um presente, talvez até um milagre (...)

- Margaret Stoul e Kami Garcia, Dezesseis Luas.

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Para os Guardiões, que me ensinaram que para que um sonho se torne realidade basta acreditar nele com toda fé e pureza de uma criança.

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Evangeline estava sentada, amuada, no parapeito da janela de seu quarto. Lá fora, uma garoa nevoenta caia.

Era o primeiro dia das férias de Inverno, mas não se via uma vivalma nas ruas. O único som era do assovio do vento e das gotas de água que tamboreavam no vidro da janela da menina, que ela acompanhava distraidamente com o indicador escorrerem pela sua superfície enquanto apoiava o queixo no pequeno punho cerrado com o cotovelo fincado na moldura.

Ela usava apenas uma camisola branca e rosada de manga comprida e gola bordada, indo até seus joelhos. Os volumosos cabelos castanho- avermelhados cascateavam em cachos por suas costas na altura dos cotovelos. Ela remexia impacientemente os pezinhos descalços, mas em nenhum momento seu olhar se desviava do céu cinza e fechado como se esperasse que a qualquer momento pudesse de lá começar a chover moedas de ouro.

O Inverno era a estação do ano preferida de Evangeline. Sua lembrança mais antiga era de ficar até tarde acordada com os pais aguardando pela queda do primeiro floco de neve (uma muito antiga tradição de família que seu pai tinha feito questão de lhe ensinar ainda cedo) . Ela adorava brincar lá fora após uma nevasca. Fazer bonecos de neve, andar de trenó, fazer anjos e começar uma guerra de neve para ela eram as melhores coisas do mundo.

Seu aniversário tinha sido na semana passada e seu pai lhe presenteou com um lindo par de patins novinho em folha. Evangeline ficou eufórica, e sua mãe disse que agora que ela já era uma mocinha, estava grande o suficiente para que a ensinassem a patinar no lago próximo ao parque no centro da cidade, assim que Dezembro chegasse e este congelasse.

Eles teriam ido amanhã, caso a noite caísse uma boa nevasca, e se seus pais não tivessem viajado a negócios para Nova Jersey. Fazia umas duas horas que eles tinham ligado avisando que seu voo havia sido cancelado por causa do mau tempo e que eles ficariam presos no aeroporto o resto da noite.

Só chegaremos amanhã de noitinha, seu pai havia lamentado do outro lado da linha, sua profunda e grave voz quase inaudível na estatica, eles não querem arriscar voar com uma tempestade a caminho.

Mas, papai, a chuva aqui nem está tão forte, ela havia tentado agumentar com o coração apertando-se em seu peito.

Mas vai piorar, ele a garantiu, eu sinto muito, bebê, mas não há nada que eu possa fazer, mas quando eu e sua mãe voltarmos eu prometo...

E, pela primeira vez em nove anos, Evangeline passaria o primeiro dia de Inverno sem seus pais.

Como não tinham parentes que morassem perto, seus pais haviam deixado a filha sob os cuidados da vizinha, a Sra. Red'Wood - uma mulher idosa e franzina, de aspecto frágil e ao mesmo tempo severo, que só sabia esquentar um copo de leite no micro-ondas e preparar biscoitos queimados, cujo único filho trabalhava como historiador em expedições fora do país.

Após a ligação, a Sra. Red'Wood havia mandado Evangeline subir mais cedo para o quarto com um copo de leite morno e uma bandeja de biscoitos queimados, que agora estavam intocados sobre o criado mudo próximo a cama de dosseis, enquanto a velha senhora se sentava numa poltrona na sala e assistia a uma reprise de Roda da Fortuna na televisão.

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