Quando Amanda abriu os olhos naquela manhã, sabia que seria um dia ruim.
Seus olhos sem brilho encararam o teto branco daquele quarto de hotel. A decoração com pétalas de rosa fora arruinada no dia anterior quando ela chegou, chorando encostada a porta de vidro que dava para a varanda até seus olhos incharem.
Aquilo realmente era deplorável.
Quatro anos, quatro anos se passaram desde o fatídico dia. Ainda doloroso de recordar, adquiriu o hábito de dirigir sem ouvir o rádio, odiar dias chuvosos e passar longe da sessão de salgadinhos do supermercado. No começo Fluffy parecia sentir falta dele tanto quanto ela, seu fiel companheiro que faleceu alguns meses depois.
E ela se viu totalmente sozinha novamente. Acordar, trabalhar e chorar viraram sua rotina diária, sentia-se vazia, tão vazia quanto seu apartamento. E encontrou forças onde não imaginou: nela mesma. Depois de um tempo seu coração acalmou, as lágrimas se tornaram inexistentes e trabalhava tanto que era motivo de cochichos pelos corredores da empresa.
A separação dolorosa trouxe cicatrizes para ambos, e Harry nunca conseguiu a esquecer de fato. Cachecóis vermelhos lhe faziam chorar, dias chuvosos o deixavam pensativos e demorou para que a mídia deixasse ambos em paz, sendo um tanto mais complicado para o garoto.
Ainda se lembrava como correu para o apartamento dela no dia seguinte mas ela não o deixou entrar, de como recebeu uma ligação do hospital avisando que a menina estava desmaiada, mas ele estava na Itália e sequer conseguiu a ajudar. Quando fechava os olhos conseguia sentir o cabelo dela fazendo cócegas em seu rosto, a risada doce que ecoava em seus ouvidos e os abraços no meio da noite.
Mas a vida seguiu para os dois: Harry não se relacionou sério com ninguém, mas se entregou a casos de uma noite e bebedeiras. Já Amanda se aproximou de Ramon mais do que previa, e em um dos jantares da empresa acabaram se beijando nos fundos do restaurante. Foram felizes juntos, tiveram momentos bonitos e ele a pediu em namoro com um grande buquê de flores e um beijo na mão num dia ensolarado.
Mesmo que a chuva a atormentasse e ressurgisse com memórias às vezes, ela foi feliz ao lado dele por três anos, sendo pedida em casamento na praia e de fato achando que teria uma vida à dois. Eles fizeram planos, enviaram convites de casamento e todos estavam felizes. Nunca se imaginou noiva, mas aquilo não era de fato ruim e ela o amava.
Mas descobriu que estava sendo traída.
Mais uma vez, como se fosse sua sina.
Talvez mais como uma provação para si mesma do que para os outros, ela fingiu que estava bem e apenas o deixou no altar, alterando as passagens aéreas da lua de mel e a reserva, indo sozinha. Sem celular, rezando para que Amber tivesse espalhado as cartas que deixara explicando a situação e com toda dor que sentia, embarcou para a Paris.
Cidade mais romântica do mundo, as economias foram juntadas — mais por ela do que por ele — para que fosse uma lua de mel excepcional, começando por estar hospedada num dos hotéis mais caros da cidade com uma vista incrível.
Mas estava sozinha naquela cama de hotel gigantesca.
Amanda se forçou a sentar, observando o caos que aquele quarto estava e não tinha a mínima vontade de arrumar. Sua mala aberta do outro lado perto da janela e o barulho de chuva deixavam tudo mais melancólico, apesar de estar em Paris... não queria fazer nada.
Talvez nada além de chorar e ficar naquela cama de hotel. Deveria ser um dia feliz, um momento feliz e uma semana feliz! Aquilo era injusto.
Será que seus relacionamentos estavam fadados a traições? Noiva, nunca se imaginou assim. O vestido branco com renda cobrindo o busto e os braços fora escolhido com cuidado, se sentia tão feliz... E não passavam de memórias agora.
Memórias, memórias nas quais não gostava de pensar muito.
A morena se forçou a sair da cama, tocando o chão frio com os pés e sentindo-se pesada como há tempos não fazia. Seu estômago reclamou de fome, mas sua cabeça doía tanto que não pretendia comer tão cedo, caminhando em direção a sua mala do outro lado e procurando por algo confortável para vestir.
Tomou um banho demorado e quente, saindo se sentindo relativamente melhor. Sem pressa alguma se trocou, substituindo o moletom grande por uma saia preta, meia calça, uma blusa branca e um sobretudo marrom. Os vans escuros já estavam em seus pés e sequer se importou com seus cabelos — que estavam tão grande que chegava ser incômodo —, os prendendo num rabo de cavalo alto.
Logo tomou alguns comprimidos para aliviar a dor de cabeça e preferiu ir até a varanda, abrindo a porta de vidro e sentindo a brisa bater contra seu rosto. Ainda chovia, talvez não tanto quanto há alguns minutos, mas a garoa incomodava pessoas que não haviam levado guarda-chuva e mesmo assim, a vista parecia sensacional.
Mas estava chovendo, e ela não gostava disso.
— Por quê?! Por quê?! Puta merda, não deveria estar chovendo hoje! — gritou da varanda, agarrando o metal frio ao ponto de seus dedos ficarem esbranquiçados.
E ao ouvir aquela voz, Harry ficou estático. O destino não poderia ter armado isso para ele, não naquele dia...
Como se não acreditasse, virou a cabeça lentamente e temia o que veria... mas aquele rosto era inconfundível. Sabia que ela não tinha notado sua presença e, em silêncio, a assistiu pender o corpo para baixo enquanto gritava coisas desconexas.
E aquilo o quebrou.
Demorou um tempo para que a realidade caísse por terra e percebesse que a pessoa no quarto ao lado era ninguém menos que Amanda. Um buraco se formava em seu peito e ele se sentia cada vez pior cada vez que ela gritava alto e o choro audível ecoava em seus ouvidos, mas que direito ele tinha de intervir?
Sabia que era culpado por ela odiar dias chuvosos, agora bem mais. Mesmo assim queria a abraçar, porque ele sentia tanto sua falta que seria capaz de gritar ao mundo assim como ela fazia naquele momento, mesmo não sabendo ao certo como se sentia ao vê-la ali, no quarto ao lado.
Amanda levantou a cabeça lentamente e fungou, seu rosto doía tanto quanto seus olhos, sequer sabia que ainda tinha lágrimas. Segurou firme na barra de metal e impulsionou seu corpo para cima, esperando alguns segundos até que seus olhos tomassem foco. Piscou quatro, cinco vezes e sentia uma presença ao seu lado, aquilo não poderia se tornar mais constrangedor.
Se fosse um francês, esperava que não tivesse nada que ela tinha dito.
Mas sua cabeça se virou para a esquerda, e jurou por um segundo que Harry estava ali, fixamente a encarando. Os olhos vermelhos e os cabelos um tanto grandes, a barba por fazer e os lábios vermelhos numa linha reta...
— Não é possível. Até isso?! — reclamou, não era a primeira que sua cabeça pregava peças e o via em lugares aleatórios.
Seria isso um sintoma de saudade? Não tinha noção.
— Oi, Amanda. — Harry disse baixo, sentindo seu corpo inteiro tremer.
Há tanto tempo não dizia essas palavras que até se assustou.
E se não fosse pela sacada, teria corrido até ela e a abraçado se sua mente fraquejasse uma segunda vez. Mas apenas disse as palavras que soavam tão estranhas mas tão certas naquele momento. A garota abriu e fechou a boca diversas vezes como se tentasse dizer algo, mas nada saía. Nada parecia certo, coerente e mal acreditava que ele até falava em sua imaginação.
Mas aquele cheiro era impossível de ser esquecido, a euforia que tomou conta de seu corpo, a saudade e principalmente a tristeza apenas lhe fizeram tremer um pouco, arregalando os olhos e tentando ao máximo forçar sua cabeça a dizer algo coerente.
E nada saía, nada parecia certo.
Amanda estava entrando em parafusos e Harry sabia bem disso.
Apesar dos quatro anos terem se passado, a garota pouco mudara: mais magra, os cabelos escuros agora batiam no fim de suas costas, as olheiras mais profundas que o normal e seus olhos tão brilhantes sequer pareciam os mesmos.
Contudo, ela continuava linda, sempre foi.
— Harry?
E aquilo seria uma ótima história para contar no futuro.
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Rainy Love [H.S] [PT/BR]
FanfictionNum temporal, Harry a perdeu. Mas a chuva, chuva que os uniu e fez parte de sua história a trouxe de volta após 4 longos e dolorosos anos. Mais velhos, mais maduros mas com algo em comum: o amor que sentiam um pelo outro, o sentimento que sempre est...