Everything

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Gardênia abriu seus olhos castanhos ao ouvir o toque do celular, com muito esforço, desviou o olhar do teto para a tela do celular que tocara sem parar. No visor, estava escrito "Pai" e ela relutou em atender, mas sabia que se não fosse importante, ele não telefonaria.
-Gardênia. –Soou a voz do homem por todo o quarto, afinal, estava no viva-voz. –Mais uma vítima foi feita nos arredores da cidade, ainda tem certeza de que quer viver sozinha? É perigoso, querida. Pessoas estão morrendo.
Gardênia revirou os olhos. Ela entendia a entediante preocupação do pai, mas era desnecessária ao seu ver. Uma mulher de 25 anos deve saber se cuidar, deve ter conhecimento o suficiente para não cair nas garras desses trastes, e o mais importante: autodefesa. Ela só pensou, mas nada dissera, então o homem prosseguiu.
-Sei que você sabe se cuidar, mas me preocupo mesmo assim. –Disse ele.
-Tudo bem, pai. Eu estou bem. –Gardênia disse, logo após dar um longo suspiro e voltar a fitar o teto.
-Certo, está com a arma de choque que eu lhe dei no natal passado? –Greg perguntou em um tom pesado, talvez cansado por ter que se preocupar.
Gardênia quis rir do pai, dizer o quão fraco aquele objeto era e que não se protegeria de ninguém com a arma, mas estava cansada demais para aquilo.
-Sim, pai. Ficarei ótima. Preciso sair em 10. Te ligo mais tarde. –Disse a mulher, logo após desligar o telefone na cara do homem que a chamou por mais 2 minutos até perceber que ela havia desligado.
Gardênia se levantou, jogando o cobertor para o canto da cama. Ela caminhou até o banheiro, levando seu celular consigo, afinal, não conseguia passar uma manhã se quer sem ouvir o Podcast do Crime News. Enquanto tomava banho, ficara ouvindo como o crime da noite passada ocorreu. Um homem de uns 35 anos estava traindo a esposa com uma prostituta da rua 10, foi assassinado à sangue frio durante a noite. A esposa nem chegou a descobrir a traição, havia contratado um detetive particular para investigar à fundo, mas só descobriu após a morte do marido, quando a amante foi até o velório.
Gardênia soltou uma risada enquanto enrolava a toalha em seu corpo e caminhava em direção ao espelho. Olhando seu reflexo, viu que seu rosto ainda possuía marcas de espinhas da adolescência e que seu cabelo cacheado, estava cada dia mais desidratado.
-Como eu odeio a autocrítica. –Gritou, mas ninguém a ouviria além de si mesma, e isso bastava.
Gardênia terminou de se vestir e decidiu por prender seu cabelo, afinal, se atrasaria ainda mais para o seu grande compromisso. O compromisso? Nada além de passear pelo shopping e comprar algumas roupas da nova coleção da Zaxxy.
Pegou a bolsa amarela que estava em cima da cômoda e verificou se as chaves estavam dentro, colocou o celular na mesma e seguiu até a porta, puxando-a levemente. Assim que saiu pela porta, lembrou-se de que teria que descer uma enorme escada, afinal, morava em um prédio sem elevador. Por que a moradora de um prédio sem luxos faria compras na Zaxxy? A loja mais cara de todo o país. Gardênia desceu as escadas de ferro, que estavam tão enferrujadas, que qualquer um que encostasse ali poderia pegar tétano. Caminhou pela rua, passando pelo chão de cimento daquele quarteirão e chegando ao ponto de ônibus, que não ficava muito longe do prédio. O ponto de ônibus ficava ao lado da cafeteria que vendia o melhor Donuts da cidade, isso reconfortava ela.
Gardênia mal teve tempo de assimilar sua chegada ali, já que, segundos depois uma mão macia e leve tocou seu ombro, que estava despido, tendo em vista que ela optou por usar uma blusa sem manga naquele dia. Sua pele ficou toda arrepiada antes mesmo de se virar, quando se virou, ele estava encarando-a com aqueles olhos castanhos penetrantes. Ela olhou vagarosamente para o rosto dele, que era perfeitamente simétrico e era liso como o de um bebe, não possuía espinhas, tampouco marcas de expressão e sua boca rosada deixava qualquer um sem palavras. Mas ela odiava ele, então não deveria perder tempo olhado para aqueles detalhes que não o deixavam nem um pouco atraente para ela.
-Bom dia – Foi como a voz grossa dele soou, fazendo com que até os pelos da orelha dela se arrepiassem. O homem sorriu e ela pôde ver as covinhas em sua bochecha, eram realmente adoráveis, mas ela tinha que se lembrar de que o odiava.
-Bom dia, Sr. Kim – Ela disse, tentando agir normalmente perto dele, o que claramente não estava funcionando.
Gardênia se sentia um pouco incomodada com a presença daquele homem ao seu lado, ele possuía 1,79 metros de altura, enquanto ela estava em seus 1,65. O fato de que ele era mais alto a chateava, porque Gardênia vivia em uma eterna competição com Kim Taehyung e por mais que ela não pudesse mudar um fator biológico, talvez quisesse mudar para ser melhor que ele.
Ele se aproximou um pouco dela, encostando seu braço direito no braço dela.
- Você vai á festa na locked quarry hoje? – Ele disse em uma entonação baixa, como se quisesse que só ela ouvisse.
A garota achou o interesse dele engraçado. E então respondeu que sim, é claro que iria á festa. Sua presença era indispensável e ela sabia muito bem disso.
O ônibus finalmente chegou e assim que as portas se abriram, ela entrou, sem olhar para trás e sem ao menos se despedir dele. Ela pagou a passagem e caminhou para o meio do ônibus, onde o banco era mais alto e a mesma gostava de relaxar ouvindo música e lendo um bom livro. Ela fechou os olhos por um instante, esperando o ônibus começar a se locomover, mas antes que isso acontecesse, um par de pernas longas encostou em sua coxa. Ela respirou fundo e pensou que se a conversa não bastasse para que aquele folgado saísse de sua vista, uma boa facada discreta na barriga funcionaria e se ele gritasse, seria pior. Ela abriu os olhos e olhou para as pernas, em seguida, viu o rosto, que estava sorrindo para ela, mostrando os dentes e aquelas covinhas que eram insuportáveis de tão fofas.
- Que bom que vamos no mesmo ônibus, senhorita Green. – Ele disse com aquela voz grossa e encantadora que só ele tinha. Além de bonito, ele era encantador e todas as garotas caiam por ele.  – A propósito, gostaria de saber se você poderia me acompanhar na festa.
Gardênia respirou fundo, por que diabos era obrigatório ter um par? Semana passada, ela recusou uns 20 convites para a festa. Parte dela não queria aceitar por orgulho, mas a outra parte pensava em como seria patético aparecer sozinha, então, aceitou ir com ele.
- Que maravilha. – Deu um sorriso e se aproximou cada vez mais do corpo dela, até que sua boca quase encostou no ouvido da mulher. – Ficou sabendo do caso de ontem? Aposto que foi feito por um profissional.
Gardênia suspirou e revirou os olhos, sabia que a gentiliza de Kim Taehyung não duraria muito tempo, por isso, já era vacinada contra aquele homem.
- Fiquei sabendo sim, que ótimo que fez seu trabalho direito. – Ela disse com desdém, o que o fez rir. – Com essa carinha, aquele traste nunca imaginaria sua capacidade.
Ela olhou para a janela envergonhada, por ter ao menos admitido que ele era capaz de algo. Com aquelas palavras vindo dela, Taehyung entendeu que era um elogio e riu baixinho sem que ela percebesse.
- Então, Green. Para onde está indo? – Taeyang perguntou, olhando fixamente para o rosto da moça, que parecia entretida olhando pela janela.
Ela não pensou muito antes de responder, só não queria ter que olhar para o rosto dele de novo e se pegar falando fino. Ela odiava ter que trabalhar com ele.
- Vou á Zaxxy do shopping. – Ela disse.
- Que maravilha. Estou indo ao shopping também, talvez você possa me ajudar. – Ele disse sorrindo. Ela não estava olhando, mas sabia que ele estava sorrindo, pois dava para sentir sua entonação.
- É, acho que posso ajudar. Pelo menos, alguma vez você ficará bonito. – Ela disse seriamente, embora soubesse que não era bem verdade, ele já está lindo com essa roupa social, ela não consegue ao menos imaginar como ele ficaria sem roupa...
Ele riu um pouco, mas decidiu não atrapalhá-la pelo resto da viagem.
Chegando ao shopping, eles desceram do ônibus e Gardênia estava impaciente, olhava para todos os lados como uma adolescente em busca da roupa ideal.
-A Zaxxy não é muito longe daqui, não precisa olhar todas as lojas em que passamos. -Taehyung disse impaciente e a olhou com cara de bravo.
A garota não se importava, de fato, com o que ele pensava ou dizia.
-Você pode comprar seu terno. Fique a vontade para cuidar da sua vida. -Ela disse enquanto cruzava os braços e continuava andando, desta vez, em direção à Zaxxy.
Ao chegar na loja, Gardênia se direcionou para a seção de lingeries e logo percebeu que Taehyung estava encabulado ao se deparar com todas aquelas roupas e principalmente com a presença predominante feminina no local.
Por fim, Gardênia escolheu suas roupas e acompanhou o Sr. Kim até uma loja de ternos que ficava no quinto andar do shopping. Provavelmente ele possuía uma quantidade infindável de ternos e estava ali só para provocá-lo. Afinal, ela o conhecia e Taehyung era um homem tão excêntrico quanto ela e nada, nem um pouco, discreto.
-O que acha do azul? Ou será que prefere o rosa? O que acha, senhorita Green? -Ele disse sobrepondo os ternos sobre seu corpo.
-Hmm, acho que o azul. -Ela disse fingindo desdém.
Eles foram ao Pop's, uma lanchonete na praça de alimentação do shopping. Gardênia mal conseguia escolher o lanche, mas acabou optando pelo maior que havia no cardápio. Taehyung se absteve de lanches exorbitantes e pediu um donut, pink sprinkle, com cobertura rosa. Enquanto comiam, Gardênia permanecia em silêncio, seus olhos corriam por todos os lados, era preciso manter a atenção na profissão que escolhera. Seus olhos encontraram os olhos dele, que eram cheios de vida e suas pupilas dilatadas o tornavam cada vez mais bonito. Ela desceu pelo rosto dele e viu sua boca suja de cobertura rosa. A moça achou aquilo engraçado e preferiu não comentar.
Enquanto eles lanchavam, Gardênia notou movimentos muito suspeitos ao redor do local e ficou inquieta. Em minutos, o cenário mudou. Ela tirou seus olhos do Sr. Kim e olhou para o outro lado da praça de alimentação, onde um cara mais velho conversava com uma garota que aparentava ter apenas 14 anos. O mais bizarro é que haviam outros homens ao redor e até mesmo uma mulher com uma barriga falsa, passando-se por uma grávida de 7 meses. Quando o homem se levantou, sussurrando algo no ouvido da garota e fazendo com que ela ficasse visivelmente desconfortável, Gardênia rapidamente se levantou e foi em direção à menina.
-Stella? Senti sua falta, vamos tomar um sorvete? -Gardênia disse sorrindo, enquanto a menina mal conseguia reagir. A garota parecia tão pálida e assustada, que o seu olhar já entregava o perigo que estava envolvida.
O homem parecia furioso e não soltara a mão da garota de forma alguma.
-Ela está comigo, eu sou tio dela. -O homem esbravejou contra a mulher, e parecia cada vez mais impaciente.
-Sai de perto dela, antes que eu atire em você e em todos os seus comparsas. Inclusive, na barriga daquela mulher. -Kim Taehyung disse enquanto apontava para a mulher, fazendo com que a menina se sentisse mais leve. O cara recuou tão rápido que mal pôde se conter.
A situação era clara, a garota estava prestes a ser sequestrada e os olhos de uma mulher atenta nunca falham.
Depois que a polícia chegou e tudo ficou mais leve, os pais da garota chegaram e estava tudo sob controle. Exceto pelo fato de que Gardênia não esperaria a polícia resolver um caso tão óbvio como aquele. Ela mesma faria e mataria aqueles filhos da puta com as próprias mãos.

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