Janela

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 As pessoas têm muitas histórias. O mundo é repleto de histórias e eu jamais imaginei que um dia eu ficaria diante de um dos protagonistas mais famosos da história da humanidade.

Acontece que a história é contada pelos vencedores ou... Por quem deseja mudá-la irrevogavelmente.

E esse é um dos casos, mas não começou com essa reflexão.

Veja bem, eu não sou historiador ou filosofo, nem ao mesmo era um garoto de ficar pensando muito nessas coisas. Eu sempre, desde criança, quis ser médico. Algo comum, eu sei, metade das crianças do mundo desejam ser médicos, a maioria por causa do glamour, muitos por causa do dinheiro e alguns porque realmente gostam de ajudar o próximo.

Eu não estava dentro de nenhum desses quadros, eu queria ser médico para salvar minha mãe da sua doença incurável que ninguém conseguia nem ao menos dar nome e eu não tive tempo hábil. Ela morreu no meu segundo ano da faculdade e foi isso. Eu era o aluno mais promissor, estudioso, dedicado e feroz, eu tinha minha própria causa e urgência, mas ninguém sabia, claro, afinal eu também não era do tipo amigável. Eu não tinha amigos e eles não me interessavam.

Para todos na Universidade eu só era um aluno prodígio e eu deixei aquilo seguir adiante, me mantive em silêncio na minha própria dor até... Até que eu caí em mim e me dei conta de que estava sozinho no mundo, com o objetivo e motivação da minha vida até ali, arrancado dos meus braços.

Eu estava no meio da faculdade que seria inútil a minha causa.

Eu era uma fraude.

E me formei a maior fraude do ano e fui para a minha residência, externamente competente e elogiado, internamente inerte e sem emoções.

Eu devia salvar vidas, mas nada daquilo me importava, eu trabalhava como um robô, no automático, e fazia aquilo muito bem também. Eu era o mais novo da minha equipe de diagnósticos exatos. Dois anos de residência e nunca tinha perdido nenhum paciente, fui contratado pelo Hospital geral, eu ganhei ainda mais fama e até mesmo tinha meu próprio 'codinome': o doutor de gelo impecável e era assim que eu me encontrava naquela noite.

Na mais absurda noite de Natal dos meus vinte e cinco anos.

Frio, distante e em um plantão que já se arrastava por mais de vinte e quatro horas.

Era esse o meu exato estado de espírito quando aquele homem de quase dois metros de altura entrou na minha ala de emergências, levado por três paramédicos e duas enfermeiras nervosas.

Uma delas me olhou firme enquanto pressionava um mundo de gaze já pingando sangue pelo chão limpo e asséptico do lugar:

— Ele foi esfaqueado em várias partes do tórax e abdômen, doutor... Ele ainda está respirando!

— Leve-o para o centro cirúrgico.

Eu disse em meu sempre tom monocórdio e ausente de oscilações emocionais.

Pessoas morriam todos os dias, correr era inútil, quando chegava a hora, ela morreria.

Minha mãe morreu assim.

A vida era assim.

Trinta minutos depois eu saia da sala cirúrgica após sete suturas moderadamente simples e com aquele paciente inusitavelmente sem lesões internas. As facadas não atingiram nenhum órgão vital e logo o caso virou assunto do hospital inteiro.

O grandão esfaqueado tinha ganho imunidade de deus e as facadas não foram nada letais, ele precisou apenas de pontos, como uma criança caindo da bicicleta.

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⏰ Última atualização: Dec 20, 2020 ⏰

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