Aqueles olhos de ressaca afogavam minha alma, me tornando parte da inevitável órbita que atraía quem quer que cruzasse o caminho dela.
E eu, outrora rendida a seus encantos, previa a colisão de nossos mundos mais uma vez, talvez menos intensa ainda que danosa em potencial.
Ela pegou minha mão e me girou no ar, enfim puxando-me para um abraço saudoso. "Como é bom te rever", ela sussurrou em meio aos fogos que anunciavam o ano novo.
Tais segundos pareciam ter durado uma eternidade. Suas palavras ecoavam em minha cabeça mesmo após ela ter voltado a se misturar aos rostos felizes que eu não mais reconhecia na multidão.
Dei um sorriso frouxo e pus me a festejar madrugada adentro, mergulhando em lembranças tenras e felizes, remoendo as chances desperdiçadas que tive.
Como uma tola a seu dispor, aguardava desinsofrida por outro momento a sós com ela, momento esse que não veio até eu estar sentada na areia molhada, de frente pro mar, pedindo aos deuses que me livrassem da maldição de amar.
Ela dançava e cantava ao meu redor, até desfalecer em meus braços, sorriso largo e olhar indecifrável. Os primeiros raios de sol refletiram em seu rosto. O mundo poderia acabar ali e eu estaria satisfeita, uma visão final mais que perfeita.
Por mais que ansiasse tomá-la para mim, há tempos descobri que tamanho tesouro nunca haveria de ter um dono.
"Devolva-me", pedi em súplica, "Devolva-me o que resta de meu coração, pois parte dele você sempre há de ter. É com pesar que digo, Marjorie, não mais poderei te ver".
Ela me beijou as mãos e desapareceu nas águas do mar. Fazia parte das correntezas, levando e trazendo à tona os desejos daqueles que se entregam sem nada esperar.
Meu peito explodia junto da furiosa quebra das ondas. Ela voltara a esconder-se em sua concha, e eu retornei a meu universo.
Abri meu punho e admirei a pérola que ela me dera perante a solidão do deserto.
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Correntezas
Short StoryO reencontro daqueles que nunca partiram. 2º conto da série "Mikrokosmos"