Before
A história de como me apaixonei por Jeon Jungkook é relativamente curta.
— Será que ele vem hoje? — Ergui-me nas pontas dos pés para tentar enxergar em meio a tantas cabeças amontoadas.
— Eu não sei. — Seokjin replicou, rindo de meu desespero. — Mas não sei por que pergunta, também. Você não vai falar com ele. — Deu de ombros, provocativo.
Revirei os olhos para o garoto, ainda – e principalmente – porque sabia que ele proferira uma verdade.
Eu era incapaz de iniciar um diálogo com o homem das jaquetas de couro e mesas virtuais. Todavia, eu também era completamente afetada por cada detalhe seu.
Sempre via-o de longe, andando pelo terminal em passos desapressados. Seus olhos grandes observavam o mundo de maneira curiosa enquanto as mãos, que comumente seguravam seus notebook e outros materiais de ilustração, se comprimiam em resposta. Sua postura, todavia, era a de alguém sério e intrigante: as roupas sempre escuras e o sorriso, oblíquo.
O rapaz era uma completa incógnita. E talvez fosse isso o que me atraía nele: a necessidade por uma resolução. Porque eu precisava, a todo custo, entender o que diabos ele possuía que me desconcertou desde a primeira vez em que o vi.
— Você devia falar com ele. — Jin aconselhou, mudando o tom para um mais brando e afável.
Suspirei, mirando-o com certo desânimo e incerteza no olhar.
Eu deveria? Mas que chance eu tinha?
Tudo no homem de nome desconhecido era um completo deleite aos olhos: desde o rosto bem construído ao corpo musculoso e alto.
E eu, bem… O que havia de interessante em mim?
— Você é realmente linda, Miyeon. — O loiro continuou, apertando um de meus braços em um gesto de apoio. — Não tem como ele, pelo menos, não parar pra te escutar.
Desviei o olhar para a mão em meu membro desnudo pela camiseta de mangas curtas. O tempo ainda transitava pela primavera para se estabelecer no famigerado verão coreano. As temperaturas não estavam altas, mas os dias permaneciam com um caráter chuvoso.
Uma brisa fria soprou-nos no exato momento em que tornei a fitar meu amigo, fixando nossos olhares e caindo em meus pensamentos.
Bonita. Tudo bem. Eu já havia ouvido a minha vida inteira que era uma garota bonita. Só que… O que mais? O que eu tinha a oferecer além de bons visuais e proporções equilibradas? Eu não me achava lá muito interessante. E isso me tirava o ânimo e boa parcela de confiança.
Um rosto não é suficiente para fazer alguém ficar. E, afinal, essas coisas não são só bobeiras impostas pela sociedade?
Eu queria ter algo a dizer; um sonho a seguir. E foi por isso que me inscrevi naquele curso, meses depois de ter concluído o Ensino Médio: porque precisava me encontrar. Estudar parecia um bom começo. Foi um bom começo.
Mas tudo virou de cabeça para baixo quando, duas semanas depois, eu o avistei. O rapaz bonito e misterioso que andava pelo terminal de ônibus com os fios escuros caindo em cima dos olhos, os piercings brilhando nas orelhas e desenhos vazando por sua pasta.
É claro que eu não fui a única: por onde ele passava, os olhos seguiam. Por todo o trajeto corriqueiro até o ônibus de sempre. Então ele sentava na janela e tecia mais personagens e histórias em seus cadernos ou programas digitais.
Conclui que ele era um ilustrador ou algo do gênero e, por mais que nunca houvesse contemplado seu trabalho de perto, eu sabia de que ele era bom.
— Obrigada, Jin — Agradeci-o, não muito motivada. Ele respondeu com um menear de cabeça, ciente de que eu não havia me convencido, mas sem pretensão de estender a discussão.
Não o condenava. Devia, realmente, ser muito cansativo à essa altura. Foram cinco meses de tentativas falhas em me incentivar a falar com o moreno sem nome.
Eu não havia decidido nem para qual curso estava estudando para passar. Quiçá o que poderia existir em mim que valesse a pena para atrair o meu penhasco platônico.
— Você já parou para pensar que as férias estão chegando? — Ele comentou, despretensioso.
Franzi o cenho para o rapaz, digerindo a informação que, até então, não havia considerado.
Férias no curso eram iguais a férias do terminal que eram iguais a férias do moço acastanhado e detentor de minha atenção.
Eu não queria tirar férias de admirá-lo.
Travei. Completa e mecanicamente. — Eu não sei se consigo passar um mês sem vê-lo — Murmurei, sentindo-me remoer por dentro só com a possibilidade.
— Esse não é um motivo bom o suficiente para falar com ele hoje? — Engajou-se em meu nervosismo, usando-o ao seu e meu e nosso favor.
Engoli a seco. — Eu ainda tenho mais quatro semanas para fazer isso. — Retorqui, assistindo o nosso ônibus adentrar o seu destino final e inicial.
— Você vai ter quatro semanas para aproveitar a companhia dele de verdade se fizer isso hoje. — Continuou, arqueando as sobrancelhas. Ao mesmo tempo, o veículo que nos guiaria para casa estacionava em nossa frente.
Olhei para trás, medindo a fila com o olhar. Éramos os primeiros e eu realmente queria ir sentada. Perder esse ônibus era uma possibilidade desvantajosa.
E isso foi quase o bastante para fazer a minha cabeça insegura. Quase.
Já que o moreno surgiu logo em seguida, saindo pelo corredor entre duas lanchonetes e caminhando lado a lado à fila onde eu estava.
Lindo. Tão bonito que quase etéreo.
Meu corpo enrijeceu. Por longos segundos que pareceram passar em câmera lenta, assisti-o ajeitar a franja escura com os dedos compridos e ornados com anéis; as pernas definidas não cessando os movimentos em instante algum.
Não estava pensando. E decidi que era melhor assim: se eu pensasse, encontraria motivos para parar.
E eu não aguentava mais permanecer imóvel. Não podia nem dizer que orbitava ao seu redor, uma vez que ele sempre era o único a se mexer em minha volta – mas nunca em minha direção.
Foi por isso que dei a primeira passada, indo até ele.
— Miyeon? — A mão do garoto caiu por meu braço até que ele estivesse fora de seu alcance. — Noona, aonde você vai? — Pareceu atordoado ao insistir, mirando pelo rabo do olho as portas do ônibus se abrirem.
Kim Seokjin, meu primo um ano mais novo e parceiro de cursinho; vizinho e ocupante obrigatório do assento ao lado do meu no transporte público.
Mas não hoje.
— Noona! — Ele bradou, incerto entre o dilema de me seguir ou adentrar o veículo de grande porte.
Não me importei. Continuei seguindo os passos do moreno que, por culpa dos fones em seu ouvido, não tinha noção dos gritos ao seu redor.
Fiquei tonta no momento em que o alcancei. Cerca de um metro nos dividia. Eu nunca estive tão próxima dele.
E eu nem sou tão pequena, mas… Eu me sentia minúscula. Talvez surpresa e em estado de adrenalina. As costas largas sob a camisa xadrez eram o único ponto em que eu conseguia focar a visão; todo o resto era um completo borrão.
Não soube o que fazer. Meus dedos se fecharam em punho, lutando contra o reflexo de tocá-lo para chamar sua atenção. Eu não saberia o que dizer.
Mantive-me em silêncio, então. Minhas pernas tremiam e meu coração provavelmente se encontrava próximo de um ataque cardíaco. Contudo, parar não era uma opção.
Eu havia dado o primeiro passo e, se recuasse, não tinha certeza se poderia continuar ou tentar novamente depois.
Segui-o. Segui-o cegamente até seu ponto de ônibus, colocando-me atrás de si na fila. Parada, tive a oportunidade de observá-lo melhor quando ele virou de lado, na direção da rua coberta. O rapaz apanhou o celular e umedeceu os lábios conforme escolhia uma nova música em sua playlist. Após clicar em um título específico, ele sorriu e jogou o pescoço levemente para trás em uma reação instantânea.
Quis saber o que ele estava escutando. Quis tocar em seu ombro e perguntar qual era sua banda ou artista favorito. Quis, tão profundamente, falar com ele.
Suspirei baixinho, frustrada e encantada enquanto ele batia os pés no ritmo da música e guardava o telefone num dos bolsos.
Meu próprio celular vibrou em sequência, arrancando-me uma careta confusa ao questionar-me quem poderia ser.
Jin. É claro.
“Boa sorte com o bonitão. E cuidado, por favor”
Arregalei os olhos ao captar suas palavras, erguendo o pescoço em sua procura logo após fazê-lo. Nosso ônibus já havia saído, no entanto.
E, de repente, a realidade pareceu cair em meus ombros.
O que eu estava fazendo? É claro que não daria certo. E é claro que eu devia dar meia volta e pegar o próximo ônibus para casa.
Teria o feito, eu juro. Mas o transporte do homem à minha frente chegou bem em meio aos meus devaneios e dilemas.
Novamente, não tive outra reação a não ser seguí-lo para dentro.
Eu já sabia para aonde aquela linha nos levaria. Pesquisei dias depois de avistá-lo, quando pude enxergar, também, onde entrou. E eu também sabia como fazer o trajeto oposto para retornar.
Mal passava do horário de almoço. Seria seguro, certo? Estava tudo bem. Estava tudo bem. Repeti a frase inúmeras vezes: enquanto subia as escadas, enquanto passava pela catraca, enquanto guardava o meu passe, enquanto juntava coragem para sentar ao lado dele.
Enquanto percebia-o notar a minha presença.
Ele era discreto. Se não estivéssemos lado a lado e eu, completamente atenta às suas ações, não teria o constatado, mas: ele me mediu. De cima a baixo.
Acanhada, abaixei o rosto e não o olhei novamente até estar sentada e com minha mochila no colo.
De novo, senti-me minúscula. E encolhendo.
Ainda dava tempo de sair pela porta detrás. Ainda dava tempo de desistir dessa ideia ridícula.
Dava. Mas ele tirou os desenhos da pasta e eu não pude fazer nada além de atentar-me a eles.
Seu traço era preciso. E, ainda que eu reconhecesse certa identidade em todas as peças, elas variavam entre retratos realistas e ilustrações caricatas. Impecáveis, cada uma delas.
Não percebi que havia soltado um muxoxo em encanto.
— Você gosta? — Ele mirou-me com um sorriso fraco, quase imperceptível, ao indagar.
E, por Deus, a sua voz fez com que cada pelo do meu corpo se arrepiasse.
— Eu… — Desnorteada, tentei esconder o corpo atrás da bolsa pesada. Engoli a seco, intercalando o olhar entre as páginas e seu rosto antes de, enfim, respondê-lo: — Você é muito talentoso, senhor.
Seus olhos se comprimiram em reação a minha resposta. Não entendi o incômodo em seu semblante até que ele disse:
— Senhor? — Contestou, com um divertimento aparente por entre o tom formal — Eu pareço tão velho assim?
Não relaxei, entretanto. Minha postura só se tornou mais tensa.
— Eu não sei quantos anos tem, então…
— Vinte e três. — Esclareceu. E eu ofeguei, contente, ao constatar que nossa diferença de idade não era tão grande. — E você? — Ajeitou-se no banco, assumindo uma posição em que poderia me enxergar melhor.
— Eu tenho — Ajeitei alguns poucos fios de cabelo atrás da orelha, abaixando prontamente a mão ao lembrar de que ainda me encontrava trêmula. — vinte. Tenho vinte anos.
Seu sorriso se alargou, acendendo um brilho deferente em seu olhar.
— Ótimo. Idade o bastante para não se sujeitar a honoríficos como “senhor”.
— Eu não te conheço. — Rebati, sinuosa.
— Isso importa? — Apoiou um dos cotovelos na barra da janela e inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, não quebrando o contato visual no processo.
Nem depois. E fitá-lo de tal modo contínuo me tirava as forças pouco a pouco.
Sequer notei quando o ônibus começou a andar.
— Também não sei seu nome. — Adicionei, defensiva. Ele riu.
— Jeon Jungkook. — Soprou.
Jeon Jungkook. O nome já estava gravado em minha memória antes mesmo de ser dito por mim em voz alta.
— Cho Miyeon. — Apresentei-me, agarrando as laterais da minha saia com força.
Jungkook pareceu ter notado o gesto claro de nervosismo. E soube que ele era um provocador assim que continuou, aproveitando-se disso — Você é uma garota bonita, Cho Miyeon.
Outro arrepio.
Uma garota bonita – o terno continuou a repercutir em minha mente, não me deixando decidir com clareza se eu gostava dele no momento ou não.
— Obrigada. — Agradeci-o em uma cortesia automática. — Você... — Cocei a garganta, sentindo-me prestes a entrar em colapso — Você também é um homem bonito, Jeon Jungkook.
— Oh, eu imaginei que você o achasse — Pude ver, finalmente, um sorriso completo. Mas um sorriso sacana. —. Foi por isso que me seguiu até aqui?
Todas as células do meu corpo pareceram ter envelhecido e apresentado falhas; as funções básicas como respirar ou raciocinar se perdendo entre o completo caos.
— O quê? — Eu perguntei, muitos decibéis mais alto do que o planejado.
Jungkook, a despeito de minha reação, riu. — É difícil não notar quando alguém como você passa a ter perseguir até o ponto do ônibus.
— Você sempre soube? — Meu tom prosseguiu incrédulo.
— Como assim? — Arqueou as sobrancelhas. — Um intervalo de dez minutos é sempre para você? — Acrescentou, arrancando-me um suspiro de alívio.
— Ah, sim…
Contudo, ele não parecia disposto a me deixar relaxar.
— Por que me seguiu?
Não sei. Mas graças a Deus que o fiz.
Já estava há tanto tempo tentando.
Percebendo o meu silêncio, continuou:
— Você quer me acompanhar?
Eu quero – minha mente gritou de imediato.
Meu corpo, por outro lado, encolheu-se mais, numa postura retranca.
Independentemente de quão bonito um cara seja, acompanhá-lo sem muitas informações não é uma boa ideia. E eu não havia perdido completamente o juízo, afinal.
— Aonde você vai? — Indaguei-o, sentindo um misto de anseio e receio me inundar.
— Encontrar uns amigos.
— Aonde? — Insisti, não satisfeita com sua resposta simplista.
— No parque. — Riu de minha feição desconfiada ao adicionar.
Bem, um parque é um lugar movimentado, certo?
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Heartbreaker Club
FanfictionBrincar com corações nunca foi a minha especialidade. Mas, se fazê-lo é necessário para ter o garoto por perto, não me parece um problema tentar. "Quebre o coração de um, ganhe o de outro."