de natal

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- Não arranjou nenhuma companhia para a noite? Sempre está bem acompanhado - ela perguntou, quebrando o silêncio que acabou pairando entre eles enquanto saiam da ponte.

A perguntou o pegou de surpresa.

- Acho que Natal é reservado para caras que representem algo sério, e... Sabemos que não sou assim - ele sorriu, era um sorriso que Estella descrevia como "sorriso de canto" porque era um sorriso com apenas um dos lados do rosto, no caso dele o lado esquerdo onde tinha uma covinha na bochecha.

- Sabemos que você não quer ser assim - ela o corrigiu - Nunca podemos garantir que não vamos mudar - ele concordou com um gesto de cabeça - Mesmo que... Cá entre nós... A gente sabe que você e algo sério juntos é difícil mesmo - ela piscou em tom de brincadeira e ambos caíram na risada.

- Você não pode falar muito, também não tem nada sério com ninguém e quase nunca está desacompanhada - não era uma mentira, mas não era uma verdade. As companhias de Estella não eram como as de Baltazar, ela sempre deixava a possibilidade para que as relações se tornassem sérias, Estella queria criar vínculos, não era algo ruim se não acontecesse, mas sempre destacava que essa era uma de suas prioridades.

Os caras nunca duravam mais do que dois encontros.

Eram tempos difíceis para aqueles que queriam compromisso.

- Mas eu não deixo o caminho fechado para criar vínculos com ninguém, não nego que sou uma romântica incorrigível - ele revirou os olhos, esse era um ponto que já havia os feito brigar na redação, já que vez ou outra Estella sugeria matérias sobre vínculos, amor e coisas que Baltazar considerava "bobagem", a Editora-Chefe concordava com Estella na produção do conteúdo, mas estava mais propensa a dizer que Baltazar estava certo em dizer que eram besteiras "Mas uma besteira que vende, então produzam e deixe as românticas como Estella felizes".

A jovem sempre ficava um pouco ofendida com aquilo, mas jamais iria mudar para agradas conceitos que não acredita.

- Acho que já discutimos sobre isso.

- Já, e não vamos brigar hoje na véspera de Natal - ela concordou com um sorriso que dava quando queria mudar de assunto para evitar conflito - E seus amigos? Ninguém te chamou para ceia?

- São amigos de festa, seria estranho se me chamassem - Baltazar respondeu, não havia ressentimentos em sua voz, não esperou mesmo o convite de ninguém - E os seus?

- A maioria está indo para a ceia nesse restaurante - ela disse - Achamos melhor do que fazer na casa de alguém, e Dona Fátima amou que "compramos" a ideia dela da Ceia fora de casa entre amigos.

- E os que não estão?

- Em casa, com a família que não mora aqui.

Aquele momento foi a primeira vez que Baltazar questionou a si mesmo até que ponto sua vida de farras e a de não criar nenhum vínculo, inclusive nenhum de amizade, era benéfico ou solitário. Ele se justificava dizendo que isso dava liberdade para ir embora sem sentir saudades, mas também fazia com que ele fosse sozinho. Até que ponto a solidão era interessante?

Eles chegaram ao restaurante, era há cinco quarteirões da ponte, ficava próximo a um posto de gasolina e há alguns prédios com comércios que naquela hora já estavam fechados. Era em uma casa de tijolos a vista, que estava enfeitada com luzes e papais noéis. Havia um enorme pinheirinho lá dentro, próximo a uma lareira que não estava acesa - ali era hemisfério sul, auge do verão - e sim estava enfeitada com um presépio lindíssimo.

O cheiro da comida estava uma delícia e de fato as pessoas que Baltazar sempre via Estella nas festas e postando coisas nas redes sociais juntos, já estavam ali. Nenhum deles estava com presentes, mas todos com sorriso no rosto e todos abraçaram Estella quando ela chegou, estavam felizes e brincaram que como sempre ela era a última.

- E quem é o bonitão? - uma das garotas que não conhecia Baltazar perguntou, Estella deu risada do tom.

- Ele é meu colega de trabalho, o Baltazar...

- O mulherengo?

- Esse mesmo! - ele se sentiu ficar vermelho com a falta de pudor das meninas em falar daquela forma com ele do lado, porém não se sentiu desrespeitado, apenas tímido - Ele estava sozinho na rua e o convidei.

- Dona Fátima vai adorar isso - um dos rapazes comentou, vindo cumprimentar Baltazar, seu nome era Lorenzo - Ela gosta quando jovens perdidos encontram o caminho até sua casa - Estella concordou.

E de fato, Dona Fátima ficou feliz em ver mais um jovem vindo pelo menos ter um pouco de companhia para a Ceia. Ela era uma senhora de uns sessenta anos, e não fazia aquela noite para lucrar - apesar do lucro ser consequência - mas para afastar a solidão daqueles que estavam sozinhos por opção ou longe de sua família pelo motivo que fosse.

E Baltazar se sentiu acolhido.

Ele se sentiu como se estivesse com sua família em casa.

E a comida estava uma delícia.

Estella estava ajudando Dona Fátima a servir, e conversava com todos, dando risada e sendo simpática do jeito que apenas ela conseguia ser. O laço no cabelo foi pego por uma das amigas que colocou nela mesma e Estella achou que ficou uma graça, dando de presente para ela, tirou foto para alguns dos casais e posou para foto que os amigos tiravam.

Ela não era centro das atenções, mas era como se muitos ali estivessem naquela ceia ou tivessem se conhecido por causa dela.

Baltazar também se entrosou com o grupo, todos eram engraçados, alguns tinham até empregos sérios demais para o jeito leve que tinham. Talvez fosse porque era véspera de Natal, ou talvez fosse porque é assim que são as pessoas quando estão entre amigos e não em um ambiente de excessos, conquistas e uma diversão que duraria algumas horas e depois...

Bom, não que uma boa festa não fosse algo divertido.

Mas diversão toda hora sem amigos de verdade, não era a mesma coisa.

E Baltazar só estava entendendo aquilo naquele momento.

Também estava entendendo como gostava da companhia de Estella, e como desde que começaram a ir mais juntos em festas e pubs, ele sempre acabava a procurando na multidão e nas mesas, porque sempre era mais divertido com ela.

Ah não...

Ele pensou isso quando ela pediu, com seu sorriso e sua risada se ele podia tirar uma foto deles ou se ele queria aparecer na foto. Ele demorou alguns minutos para responder e um dos garçons - que era filho de Dona Fátima - deu risada, mandando-o junto com ela tirar uma foto com o grupo.

Droga.

Ele percebeu que estava apegado a alguém e mesmosem querer os vínculos já estavam formados.

Luzes de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora