Um Convidado Especial

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Eram quase dezessete horas quando Manoel da Silva chegou à cidade do Rio de janeiro, depois de uma longa e exaustiva caminhada de quase quatro dias.

O cansaço era perceptível em seu rosto, contudo, o estado de fatiga visível de Manoel parecia quase insignificante, se comparado ao fato de ele festejar a noite de Natal naquela cidade, onde o Cristo o recepcionava de braços abertos.

De onde Manoel se encontrava, dava para vislumbrar toda a beleza daquele imponente monumento, que, aos olhos sensíveis daquele humilde rapaz, parecia dizer: "Meus filhinhos, venham para os meus braços: deixe-me renascer em vós". Aquele apelo silencioso o tocou profundamente e, ele, homem simples e de bom coração, sentiu em seu íntimo que cada vez mais a humanidade se distanciava daquele que fora capaz de derramar o seu Precioso Sangue na Cruz.

Ao pensar nisso, muitas lembranças lhe vieram a cabeça e, a imagem mais maravilhosa que lhe veio foi a de sua mãe e de seu olhar terno e carinhoso, que muitas vezes diziam mais que todas as palavras do mundo. Mesmo sem dizer nada, Manoel sabia que ela estava preocupada. Ele viu no fundo de seu coração que ela temia que ele fosse machucado, por contas da violência que corria solta nas grandes cidades e que sempre chegavam ao conhecimento de seu pai. Mas não havia porque temer, Manoel sentia-se encorajado: afinal, aquela era a noite de natal.

Diferente da agitação do Rio de Janeiro, sua cidade era pacata e receptiva; perdida no meio do mapa. Para alguns ela poderia representar um lugar insignificante, mas para os que buscavam refúgio e segurança, ela significava tudo.

Como toda cidade no mundo, além de um bom líder, ela necessita de pessoas que trabalhem em prol do seu povo e, a cidade de Manoel não era diferente. Seu pai, apesar de ser um bom líder, não a governava sozinho, de maneira que ele delegou poderes a seu filho e ao seu advogado, Ruah, que os assessorava para manter a ordem e a união dela: a Manoel cabia a função de apresentar as propostas de seu pai ao povo e a Ruah o de esclarecer e orientá-los, de acordo com o entendimento de cada um.

Apesar da simplicidade com que Manoel se apresentou no Rio de Janeiro, ele vinha de uma linhagem de soberanos, pois o seu pai exercia a soberania diante de seu povo e, embora Ele demonstrasse ter uma aparência endurecida; os que intimamente o conheciam sabia tratar-se de um homem generoso e compassivo para com o seu povo.

Depois desse breve momento de reflexão, Manoel avançou cidade adentro e a medida que caminhava seu coração enchia-se de angústia perante o grande contraste que havia entre as duas cidades, pois, enquanto que na sua terra natal todos estavam agasalhados e saciados; alguns desta estavam ao relento e famintos. A fome que os consumia não era apenas de alimento, mas também de afeto e atenção.

Diante daquela visão de homens desamparados, Manoel sentiu em seu coração o mais profundo desejo de aproximar-se para tentar entender o que os levou àquela situação degradante. Porém, antes mesmo de ele dá os primeiros passos em direção ao grupo de moradores de rua; sentiu que sua bolsa fora arrancada de seus ombros com brutalidade. Nesse momento, Manoel sentiu a hostilidade daquele povo, pois além do desamparo moral, havia também o pesado fardo da violência: um fardo tão pesado quanto o abandono e a rejeição.

Mesmo tendo seus pertences arrancados abruptamente de si, não desistiu de ir ao encontro daqueles maltrapilhos. Precisava dizer para aqueles homens que existia um lugar onde todos eram iguais, onde a única lei que existia era o amor, e sua liberdade era plena.

Com essa convicção enraizada em seu intimo, ele falou de sua cidade e de seu pai, contudo, viu suas forças desvanecer diante do escarnio daqueles homens: o peso do abandono que recaia sobre os ombros deles não lhes permitia acreditar que existisse um lugar onde todos eram iguais, onde todos partilhavam: para eles aquilo era utopia.

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