C h a p i t r e    D e u x:    Surgida sabe-se-lá quando, Forjada sabe-se-lá por quem. [...] Havia um vão eterno entre o que sabíamos sobre ela e o que deveríamos saber. Era mais antiga que nossa memória poderia suportar. Seus passos. Suas evidências. Seus propósitos. Tudo uma absoluta falta de coesão. Durante anos a caçamos. Eu, meus antepassados e os antepassados deles. Toda sua linhagem. Inclusive os que não carregavam seu aroma enxofrado. Durante anos senti-me atraído por aquele retalho de pontas soltas. Enclausurado. Orgulhoso. Perdi-me no resplendor de suas façanhas (tramadas ou não), dragado por sua essência [...] Esbarramos, tempos depois, eu já velho e dolorido. Apesar de aleatório me cheirava típico a seus jogos. Aqueles que tanto me arrebataram na juventude. Povoara, entre os cegos, a sua imagem. Nove delas - informou-me - em uma única década. Apesar de aturdido em meio aquela conversa informal, confesso ainda pulsante minha admiração. Eu a desejava. Desejava morta, a desejava viva [...] E nem os trapos, nem as tinturas eram capazes de dissimular seu gênio. O nariz altivo, lábios intensos ― Um meigo touro de briga ― Só lhe restavam vivos os olhos diáfanos e cruéis, e através deles me dei conta de que ela não havia mudado de índole [...] Nunca havia pagado uma única multa. Seu quintal era a Arcádia da autoridade local, do governador até o último bedel da prefeitura, e não era imaginável que à dona de tudo aquilo faltasse poder para delinquir a seu belprazer. Assim, seus escrúpulos de última hora só tinham como justificativa poder levar vantagem sobre seus favores: quanto mais puníveis, mais caros. ― Palavras de um admirador. 
  • Beacon Hills, North Carolina
  • JoinedMarch 27, 2015




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