[...] Como narrar esse instante? Talvez eu devesse começar mencionando que esperava de todo meu coração que ele não se tornasse real, ansiava que sua concretização fosse tão vivida quanto a probabilidade de uma incógnita ser um número visível. Optei até mesmo durante os últimos dias nem siquer imaginar no inconsciente. Machuca muito, é como ter um objeto pontiagudo e novo dilacerando uma parte sensível de mim, e a cada minúsculo segundo que passa sinto que tem dilacerado mais. A indesejável tristeza atravessa meu ser que grita enlouquecido por misericórdia. É em demasia para mim. Bom, não sou muito observadora, normalmente deixo ir para longe sem perceber coisas simples mais que, vão além do valor que dão as notas no cume de um balcão qualquer. Por algum motivo distante de minha compreensão — e pouco importa isso agora — eu fui uma boa observada naquele instante, e boa ouvinte também. Pena que não conseguir reagir de modo a acalentar alguém que era perfurado um trilhão de vezes a mais que eu, nunca sairá de minha mente o descontrole de suas lágrimas. Tal lampejo em meu hipocampo só tem piorado tudo. Eu estava em inércia e assim fiquei. Mesmo sonolenta ouvi uma das minhas vozes preferidas no mundo sussurrar embargada "ahh, meu Deus do céu!". Meu corpo entrou em estado de alerta, algo estava muito errado. O som baixo da música Oceans adentrou em minha audição e por fim o estridente agouro de folgos de artifício. Mesmo nada disso acontecendo proximo, poderia até jurar que contemplava acontecendo em algum lugar dentro de mim. A voz se tornava mais chorosa, a música já passava do refrão e os desnecessários fogos brilhavam no céu escuro, enquanto eu era sucubida pela perturbadora inércia e essa decidiu não ir embora tão breve. Nunca fui de confidenciar a ausência do "estou bem", no entanto, agora vejo-me gravando em palavras e jogando ao vento. Não estou sabendo lidar, sinceramente não estou. [...]
— Fragmento de Instantes