Capítulo I

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Anna sempre mantinha suas expectativas baixas, bem ao contrário da sua irmã.

— Quero um bolo de seis andares, também quero esculturas de gelo...

— Esculturas de gelo Antonella? — Anna perguntou sem muita certeza.

— É claro que sim!

            Sua irmã chiou como um disco arranhado, Anna ouviu os passos apressados de um lado para o outro da sala e sabia que Lauren — para ela Lauren — a assistente da família, mas que na verdade passava a maior parte do tempo com Anna sendo seus olhos.

— Tudo bem, eu apenas acho que é um pouco... Demais!

— Nada para mim é demais Anna, ainda sendo o meu aniversário... — ela bufou. — Continuando Lauren, esculturas de gelo... Quero também uma decoração opulenta...

            Anna suspirou, ela sabia que sua irmã nunca poupava expectativas para o seu grande dia tão como para qualquer coisa que a envolvesse, afinal de contas para ela nunca havia limites mesmo, sua família sempre deixou isso claro desde o seu nascimento.

E isso não chegava mais a incomodar Anna, ela aprendeu desde muito cedo que foi apenas um erro de percurso, primeiro porque não era para ser "uma menina", por um engano a ultrassonografia seus pais esperaram um menino e acabou que ela nasceu.

            Claro, esse foi o primeiro "erro", o segundo foi o pior de tudo... Ela nasceu com uma doença degenerativa incurável e ficou cega, isso frustrou completamente os planos da mãe quanto à filha "perfeita" porque obviamente não poderia ser perfeita se mal via um palmo à sua frente, por isso eles partiram para o segundo filho, mais uma vez nada de um herdeiro.

Todavia veio Antonella e essa sim nasceu perfeita, por sorte do destino a doença visual não se manifestou então isso fez com que todas as atenções se voltassem a sua irmã, no entanto, a gravidez dela foi complicada para a mãe delas o que a deixou sem pode engravidar outra vez, mas um erro no percurso da Sra. Annalise D'Angelo.

— Não quero nada de flores, não gosto do cheiro delas Lauren... — A voz de Antonella trouxe a atenção de Anna. — E claro para com a idiotice de sugerir um salão fechado, quero um aberto!

— Papai não vai querer um salão aberto... — Anna acrescentou.

— Mas eu quero!

            Antonella quase deixou os ouvidos de Anna prejudicados... Ela suspirou passando a mão pela cabeça de Draco, seu cão-guia que também se moveu claramente incomodado pelo tom "agudo" da voz da irmã.

— Olhe, as esculturas de gelo durariam mais no salão e sabe que é um salão exclusivo, só é aberto duas vezes no ano aqui na Filadélfia, seria um evento Antonella...

            Argumentar com a sua irmã era sempre um exercício de paciência, e não era culpa dela, mas sim da mãe e do pai que nunca davam limites à vontade dela...

Anna achava que isso era imprudente ainda mais para alguém que estava prometida a um dos chefes da máfia italiana nos Estados Unidos, para ser mais exata, o mais poderoso de todos.

Antonella não se comportava como deveria se comportar a futura esposa de um homem como aquele, e Anna era cega e não burra, sua família estava há muitos anos dentro daquele sistema para ela não saber como funcionava.

— Odeio quando você faz isso! — Antonella disse e Anna a sentiu sentando-se ao seu lado.

— Faço o que? — ela virou o rosto para onde achava que a irmã estava.

— Fala comigo como se eu fosse uma criança, eu sei, eu sei... Faço essa linha, mas não sou... — ela suspirou. — Você está certa, como sempre, Lauren eu vou aceitar a sugestão desse salão, minha linda irmã tem razão de novo!

            Anna riu e sentiu o abraço da irmã bem como o beijo que ela lhe deu. Uma coisa que ela não podia negar era que teria sido muito difícil aceitar a dureza da mãe ou a distância do pai se não tivesse tido Antonella durante todos aqueles anos. Sua irmã era sim uma criatura mimada, voluntariosa e cheia de opinião, mas sempre esteve ao seu lado a tratando da maneira mais "normal" que podia.

— Bom, agora que já dei minha breve contribuição vou indo para a escola...

— Mande um beijo para aqueles pestinhas! — Antonella disse rindo.

— Não fale assim...

            Anna falou, mas estava rindo ao seu levantar puxando a coleira de Draco, que soltou um bocejo alto como se estivesse muito cansado para começar o seu dia. Ela nunca soube como um cachorro tão preguiçoso pudesse ser tão bom como um guia, ele tinha sido um presente de Antonella no seu aniversário quatro anos atrás, desde o dia que chegou sua maior felicidade era cheirar flores do jardim, comê-las e dormir, guiar Anna era apenas algo muito secundário para aquele sedentário.

— Já mandei mensagem para o motorista Anna, está na porta lateral te esperando! — Lauren falou.

— Obrigado.

            Ela disse deixando com que Draco a levasse, indo em direção à porta lateral, caminho que Anna fazia todos os dias para ir à escola de braile onde ela era uma voluntária, tal como na biblioteca que havia no lugar onde ela abastecia com doações pomposas do pai, aquilo era a coisa mais próxima de um sinal de afeto que Domênico D'Angelo fazia por ela.

            Anna tinha se formado há um ano na especialização de ensino de braile para pessoas com baixa visão, perda total, tal como tinha feito um estudo nos sentidos da voz, audição e tato, ensinar as crianças que não enxergavam a explorar ao máximo os seus outros sentidos para que não ficassem tão dependentes de outras pessoas.

            E era aquela a parte da sua vida que mais a fazia feliz, poder compartilhar sua experiência ajudando outras pessoas, no fundo ela sempre soube que precisava encontrar algo para se dedicar porque não teria as perspectivas de uma vida totalmente "normal".

            Sua família não era convencional, eles faziam parte da máfia italiana, seu pai era um quase o braço direito dos Bianchini a família do noivo da sua irmã que a partir da união deles em casamento elevaria posição do seu pai e o cargo de Conselheiro poderia vir a cair no colo de Domênico logo em breve já que ele seria o sogro do Don daquela organização.

Bom, mas como tudo isso, Anna teve suas possibilidades ainda mais reduzidas, apesar da família dela não ligar muito para o que ela fazia, todavia eles não permitiam que tivesse um círculo de amizade que não fosse do centro escolar e nem relacionamentos que pudessem vazar informações da máfia.

Por isso namorar ouconhecer alguém com quem pudesse construir algo era bem fora de questão, seuspais escolheriam alguém para ela e Anna tinha se acostumado com isso, por causadisso escolheu algo para se dedicar e amar, porque não iria conseguir algo paraa fazer mais feliz do que as suas crianças.


Informação: Braile ou braille é um sistema de escrita tátil utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão.

O Irmão Mais TemidoOnde histórias criam vida. Descubra agora