Prólogo

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   Os flocos de neve caíam lentamente através da janela do carro a caminho do hospital; descia
tão preguiçosos que pareciam que estavam parados no ar. Assim como o tempo havia parado para mim desde que soube do acidente do Sammuel.

Ele era meu irmão grandão, e eu a pequena medrosa.

Ele me acalmava quando eu tinha pesadelos. Sempre corria para o seu quarto, me escondendo em suas cobertas.

— Lá vem a pequena medrosa – ele sempre falava quando me aninhava debaixo do seu lençol.

— Não estou com medo. É só saudades de você, maninho – tentava o convencer enquanto lhe respondia manhosa e acolhida no seu abraço.

Havia um pouco de verdade. Meu coração doía de saudades por ele trabalhar muito e não parar em casa, porém, ele não acreditava muito nas minhas palavras; elas não eram totalmente verdadeiras. Tinha medo de ficar sozinha e sempre sonhava estar trancada em um quarto vazio, apenas com a luz de uma janela alta e inalcançável para mim. Era assustador. Como se meus sonhos fossem avisos do que estava por vir.

Eles se tornaram realidade naquele dia.

— Mãe, o Sammuel vai volta pra casa? – perguntei, manhosa e cheia de saudades.

— Eu espero que sim, filha – ela respondeu, esperançosa.

Cheguei ao hospital ansiosa para ver meu irmão bem; depois da cirurgia teve uma melhora. Os médicos alegaram que ele teve a saúde reestabelecida de uma forma surpreendente. Ele repetia e chamava meu nome; queria muito falar comigo.

Era o dia do meu aniversário e o presente que mais queria era meu irmão de volta.

— Minha pequena, hoje é seu dia e comprei algo pra você. – Sua voz era falha e fraca. Seu rosto estava levemente abatido, mas continuava lindo com sua pele lisinha. Diferente da minha cheia das marquinhas que eu odiava. Como se tivesse enferrujada, como muitos na escola falavam.

— Maninho, senti tanto a sua falta. O meu presente é eu estar aqui, falando com você. – Peguei sua mão e a beijei com todo carinho.

Ele tossiu.

— Pegue aquela caixa vermelha ali. – Ele apontou para a pequena mesa.

Peguei a caixa, sentando-me ao seu lado. Desfiz o laço dourado, ansiosa para descobrir o que havia dentro do embrulho.

Ele encostou sua mão na minha, fazendo um leve carinho.

— Espero que goste. Ah, ainda fiz uma cartinha de brinde. – Sorriu fraco. — Não é o que sempre me pediu? – Ele voltou a tossir, logo em seguida.

— Sim! – exclamei alegremente sem nem ao menos saber o que havia dentro da caixa. — Muito obrigada pela carta. Irei ler incontáveis vezes. — Depositei minha cabeça em seu peitoral e beijei seu rosto.

— Abre logo o presente. Ou melhor, os presentes. – Ele tossiu novamente e começou a ficar impaciente com os acessos de tosse.

— Ok! Você quer água? – Ele meneou a cabeça negativamente, e eu voltei meus olhos para os presentes.

Ao retirar a tampa, me deparei com um suéter branco, macio e charmoso. Sempre quis ter um. Abri um sorriso e exclamei como ele era lindo. Logo abaixo, encontrei um gorro vermelho; apaixonei-me de primeira e combinava perfeitamente com o suéter. E por fim, dentro de outra caixinha branca pequena, continha um colar com correntes de ouro envelhecido e um coração vermelho com a letra S no centro.

— Que lindo, maninho. Estou encantada pelos presentes. E esse colar é tão delicado. – Meus olhos, com toda certeza, estavam brilhando como duas estrelas.

Ele estava visivelmente feliz com minhas palavras; seus olhos claros brilharam, e eu o abracei. Ele gemeu um pouco, sentindo dor, e pedi desculpas.

— Posso? – pediu permissão para colocar o colar.

— Se você não se esforçar muito...

— É claro que não poderia deixar de colocar o colar em você, não é, minha pequena medrosa?

Alegrei-me com seu carinho. Ele se posicionou confortavelmente para colocar o colar e me aproximei dele. Assim que as correntes do colar tocaram meu pescoço, ele sussurrou, descansando sua mão em meu ombro:

— Parabéns, minha linda Sofhia. – Beijou minhas bochechas. — Jamais esqueça que, mesmo que eu não esteja sempre ao seu lado, Deus sempre protege anjinhos como você. E que você é linda do jeitinho que é, não deixe ninguém dizer o contrário. Amo o seu rostinho pintado, minha bonequinha.

— Mas você irá sempre estar comigo. Pare de falar bobagens. – Encarei-o, brava.

Não suportava a ideia de viver sem ele.

— Maninho, como você comprou esses presentes e escreveu essa carta?

Meu coração doía ao vê-lo tão debilitado naquela cama.

— Comprei no dia do Natal. No dia do acidente...

— Como foi o acidente? — Sabia que aquele assunto era delicado, mas, mesmo temerosa, queria muito saber o que houve.

— Meu anjo, isso não importa, e sim que estou aqui. Principalmente vendo seus olhinhos brilharem com seus presentes. – Ele sorriu. E mesmo que seus olhos estivessem fundos e com olheiras, continuava lindo, pois o brilho deles jamais apagava.

— Mas eu quero saber. Conta, por favor! – teimei, querendo descobrir a verdade sobre isso. Era como se soubesse que havia algo a mais naquela história. Se ele não queria me contar, era porque escondia algo.

— Está bem, meu amor. Eu comprei os presentes no caminho de casa. Estava ansioso pra te ver no Natal e entregá-los. O cordão eu só daria no seu aniversário... – Ele sorriu, mas logo seu semblante fechou, ao olhar para seus pés. E permaneceu assim por algum tempo.

— Sammuel...

— Sim... Estava nevando muito e a pista repleta de neve dificultava o trajeto por ser escorregadio. Após o sinal abrir, escutei algo cair e, quando vi, era seu presente de aniversário. Rapidamente voltei pra pegar a caixinha menor, mas não fui rápido o suficiente; na metade do caminho, um impacto me atingiu e só lembro de ter acordado aqui. – Ele sorriu e concluiu: — O mais incrível é que seus presentes ficaram intactos.

Gelei. Definitivamente eu causei o acidente do meu irmão! Senti um grande aperto em meu coração, chegando a doer tanto que massageei com a mão.

— O que foi, Sofhia?

— Nada, maninho. – Soltei o ar a fim de conseguir respirar. Um nó se formou em minha garganta. Estava doendo tanto.

Eu não me perdoaria se algo pior acontecesse.

E realmente aconteceu.

— Aai...aaai. – Ele colocou a mão no estômago e começou a gritar de dor.

— Sammuel! – exclamei, desesperada, colocando a mão em seu ombro, tentando decifrar o que acontecia. — Alguém aqui, por favor!! – gritava e sai à procura de um médico. Logo apareceu alguém e me colocou para fora do quarto. Ouvi meu irmão gritar de dor e rapidamente eles fecharam a porta, porém, aquela imagem passou lentamente pelos meus olhos, como uma despedida.

Voltei para a sala de espera, mesmo relutante.

No dia seguinte, o médico responsável pelo meu irmão retornou com seu semblante amargurado. Ele estava arrasado, como se tivesse cometido o pior erro da sua vida.

— Eu tentei de tudo. Porém, o senhor Sammuel Medeiros não resistiu por ter ficado pedaço dos destroços do acidente no seu estômago. Infelizmente, ele morreu de hemorragia tardia. Veio a falecer há pouco. Eu sinto muito. – Seus olhos marejavam e imploravam por um perdão inalcançável.

O Natal era a minha data preferida por ser próximo do meu aniversário – no dia 28 de dezembro. Naquele ano passei a odiar aquela data por ser marcada pelo acidente e morte do meu único e amado irmão.

Beleza Real- nova versãoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora