Prólogo

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Maria Eduarda

Mais uma noite eu estava cansada, depois de fazer faxina em casa, entretanto, em vez de dormir como queria, tinha de suportar Ramon em cima de mim. Nunca entendi por que as pessoas valorizavam tanto o sexo, para mim era sinônimo de obrigação como mulher e esposa. Pelo menos Ramon parecia sentir prazer, talvez fosse algo exclusivo para homens.

Tentei uma vez conversar com minha mãe sobre isso, contudo ela disse que mulheres deveriam ser submissas e silenciosas, que o prazer e a felicidade dos maridos estavam em primeiro lugar e que eu deveria agradecer a Deus por ter conseguido um casamento com um homem tão bom quanto Ramon, que me quis apesar de tudo.

O "tudo" a que ela se referia era a minha aparência, principalmente. Cresci ouvindo de meus pais, parentes e amigos que era gorda demais para atrair a atenção de algum homem, que não era feminina o suficiente, que não me arrumava como deveria e, por isso, nunca conseguiria me casar.

Apesar disso, Ramon apareceu em minha vida quando eu tinha dezenove anos. Ele se mudou para Pindamonhangaba e começou a frequentar a igreja que eu ia com meus pais. Era bem apessoado e trabalhador, e justamente por isso ninguém entendeu quando ele começou a se interessar por mim.

Meus pais e todos na igreja começaram a me pressionar com os típicos insultos disfarçados de conselhos, dizendo que deveria aceitar seu cortejo, pois nada melhor apareceria para mim. Então, eu aceitei assumir um compromisso com ele e nos casamos no ano seguinte, quando eu tinha vinte anos.

Eu nunca o amei, no entanto, no início, achei que pudesse desenvolver algum sentimento mais profundo por ele com o passar dos anos, pelo menos era isso que as mulheres da igreja falavam para mim, que amor se constrói com a convivência. Todvia, já estávamos casados há seis anos e o contrário parecia acontecer, já que a cada dia eu o desprezava mais.

O homem atencioso e carinhoso da época de namoro começou a mostrar sua verdadeira face pouco tempo depois que nos casamos. Perto dos outros, principalmente de meus pais e dos irmãos da igreja, ele parecia ser um santo, mas dentro de nossa casa desferia insultos a mim e me tratava como sua empregada.

Ele alegava que era o provedor do lar e que eu tinha de recebê-lo sempre com a comida fresca e quente na mesa, roupa limpa e muito bem passada e a casa cheirosa e organizada. Quanto a mim, eu tentava me manter bonita, porém estava sempre cansada para me arrumar. Além disso, ele se recusava a me dar dinheiro para gastar com coisas fúteis e mundanas, que eram pecado de vaidade.

Então, por que eu não as comprava com meu próprio dinheiro? Porque tanto meus pais quanto Ramon acreditavam que mulheres não deveriam estudar além do ensino médio, muito menos trabalhar fora, pois sua função era a de auxiliar o marido no lar e cuidar dos futuros filhos do casal.

Esse era outro assunto polêmico em minha vida: filhos. Assim que casamos começou a pressão para que eu engravidasse logo, pois povoar a Terra era o objetivo do casamento. Porém, eu não sentia dentro de mim a vontade de ser mãe dos filhos de Ramon, não que eu não quisesse engravidar um dia, meu problema era realmente o pai que meu filho teria.

No início, então, tentava fazer tabelinha para evitar uma gravidez indesejada, contudo, aos poucos, Ramon se mostrava mais agressivo e indignado quando me recusava a me deitar com ele. Não sabia mais o que fazer, pois métodos contraceptivos eram considerados pecado e eu nem tinha dinheiro para comprar algo para me prevenir. Foi então que eu tive uma ideia.

Durante minha infância tive apenas uma amiga que não era da igreja: Nádia Yamamoto. Nádia era a filha de um casal de japoneses que imigraram para Pinda e mantinham uma loja de produtos alimentícios asiáticos. Nós morávamos na mesma rua e frequentávamos a mesma escola, era Nádia que me defendia de todo o bulllying que passei em minha infância e adolescência.

Proteja-te de Mim [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora