Capítulo 3 - Pior que isso!

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Tales olhou para suas mãos cobertas de sangue. Não conseguia pensar no que faria, ou para onde iria, apenas encarava suas mãos e sentia o vazio em sua mente. Tal como se seu cérebro tivesse dado curto. Ou pior, apagado tudo.

Ficou por uns segundos encarando as mãos ensaguentadas, até que foi surpreendido pelo garoto de longos cabelos verdes desesperado em sua frente.

- Tales? O que ainda tá fazendo aqui? - Disse baixinho em total desespero enquanto pegava em seus ombros.

Tales ergueu a cabeça e olhou para a floresta em sua volta, se sentindo em total desentendimento. Não sabia onde estava, ou muito menos com quem falava. Só sabia do sangue que escorria de seus dedos.

- Tales? - uma voz feminina falou.

O garoto olhou com atenção e ficou confuso. Não estava mais na floresta, não via o garoto de longos cabelos verdes e nem mesmo via o sangue. Estava dentro de uma sala, uma sala branca, presente uma mulher loira com roupas brancas atrás de uma mesa branca. Tales arriscou a pensar que era a unica "coisa" não branca na sala, assim como em seu quarto.

- Parece que está um pouco desnorteado, meu jovem. Não quer se sentar? - Disse a mulher apontando para a cadeira em frente à sua mesa.

- Obrigado. - Disse Tales se sentando e deixando sua garrafinha de lado. - Quem é você mesmo?

- Bom que perguntou. - Disse ela sorrindo com seus dentes simetricamente perfeitos - Sou a Glória, diretora deste instituto.

- E o que é esse instituto? - Tales falava inexpressivo.

Se tem algo que ele sabe fazer, é esconder seu medo. Fingir que não dá importância a nada quando realmente está prestes a borrar as calças.

- Um reformatório, podemos chamar assim. - A mulher continuava a sorrir. - Aqui você vai poder ser preparado para retornar à vida lá fora. Pagando pelos seus atos, obviamente.

- Eu não entendo. - Tales mostrou sua face confusa.

- Vou te falar logo de cara, meu jovem. - Disse ela enquanto afastava a cadeira de sua mesa e se levantava. - Eu sei que toda essa historinha de amnesia é lorota. À mim você nunca vai enganar. - O sorriso não existia mais. - Temos um horário bem organizado com tudo que você vai fazer durante o dia. - Andou até um armário no recanto da sala. - Desde acordar, até a hora de dormir. Você nunca vai se sentir entediado. - Pegou alguns papeis e se sentou novamente. - Não vai dizer nada?

As informações pareciam demais para Tales, estava processando lentamente enquanto jogavam um caminhão em sua cabeça.

- Eu não entendo. - Tales falou com a voz tremula, algo que soava como um pré choro. - Eu só não entendo.

- Ora bolas! - disse a mulher voltando a sorrir. - Me parece lerdo. Você é um criminoso. pior que isso, um assassino! Então pode ir se preparando por que sua vinda aqui não vai ser nenhum passeio no parque.

Tales ouviu, mas não conseguiu crer. Olhou para baixo enquanto ouvia a risada nada discreta da diretora. Notou então o sangue, notou então a floresta. Estava lá novamente. sem ideia do que era.

- Não está me ouvindo? - disse a diretora voltando a sua expressão com um belo sorriso controlado.

Tales voltou a realidade, encarando e tentando trazer de volta sua face de inexpressão, afundando em um mar de pensamentos, quase pior do que o mar branco.

- Tudo bem então, meu jovem. Acho que esse curto, quase inexistente, papo, já serviu para nos familiarizarmos com o rosto um do outro. Você pode ir.

- Pra onde? - Tales sentia um peso ao falar.

- Bem... Aparentemente você só começa suas atividades amanhã. - Disse ela olhando entre alguns papeis. - Vou pedir para que um Viso o leve ao pátio, está quase no fim do intervalo da tarde, mas você pode muito bem tentar conhecer o lugar.

- Tudo bem, mas... Viso?

- Você já os conhece, os mascarados.


***


Chegando ao pátio, Tales não sabia o que esperar, mas com certeza podia ter imaginado aquilo. Uma grande área aberta com algumas plantas, bancos, arvores para fazer sombra e muito, muito branco. Não só em questão da "decoração" do lugar. Além de Tales, dava se para contar nos dedos quantos outros negros se encontravam no local. Tirando a parte do se borrar de medo, deu um sorriso interno por achar irônico estar em uma espécie de prisão onde se vê mais brancos.

Andou por alguns segundos, até se sentar perto de uma das arvores. O Viso que o acompanhou continuava a observar. Olhou em volta, tentando entender como funcionava a dinâmica do horário de intervalo.

Vários jovens, o grande mal da sociedade. Seriam todos ali criminosos? Ou pior, como disse a diretora, assassinos?

Assassino... o que será que eu fiz? Se perguntava o rapaz.

Olhou para o lado contrário a qual havia se sentado e notou um jovem afastado de todos com uma camisa de força. Tales sentiu uma fisgada de curiosidade e continuou o encarando. O que achava mais instigante é que o garoto parecia ser no minimo um ano mais novo que ele, e seu rosto aparentava de uma pessoa calma, contida. Que de nenhuma forma precisaria de uma camisa de força para o controlar.

Então percebeu que existia alguém fazendo o mesmo em sua direção, o observando.

Uma garota de longos cabelos pretos, tão longos que chegavam na cintura. Era linda, como uma atriz de cinema, modelo e todas essas comparações. A encarou de volta. Se viu novamente no jogo infantil de encarar que travou à poucas horas.

A garota, que estava sentada, se levantou e começou a caminhar em sua direção. Agora sim parecia uma modelo, caminhando com a roupa mais sem graça que esse lugar fornecia, a calça e camiseta brancas.

Ela deu um pequeno sorriso enquanto se aproximava cada vez mais, Tales até podia ouvir a musica que tocava quando entrou na van branca que o trouxera para esse tal instituto.

E então ela foi empurrada ao chão.

- Sai da frente, Samara! - disse o garoto alto depois que empurrou a garota.

Tales se levantou rapidamente para tentar ir em direção a garota. Mas ficou sem reação depois dos acontecimentos que se seguiram.

O garoto alto, dava pra se notar que estava totalmente enfurecido. Caminhou até um dos poucos outros garotos negros que se encontravam no pátio.

- EU AVISEI SEU MERDINHA! - disse o garoto erguendo uma grande pedra das mãos e a batendo de encontro com a cabeça do rapaz negro, que nem teve tempo de se defender.

O garoto atingido caiu no chão, com o outro rapaz em cima. Batendo de novo e de novo a pedra em seu crânio, já totalmente desfigurado.

Os outros jovens em volta, não tinham uma reação certa, uns gritavam, uns choravam, uns aplaudiam e outros encaravam em total descrença. - Sendo Tales um deles.

Vários Visos corriam de um lado para o outro. Tentando separar o garoto descontrolado, que ainda usava a pedra com tamanha força. Outros tirando os jovens do pátio e os levando desesperadamente para seus quartos.

Tales então voltou a ver as mãos ensaguentadas. Voltou a ver a floresta. Porém dessa vez conseguia ver mais, o que só lhe causou entrar em um ataque de panico. Conseguia ver um corpo morto no chão. Seu corpo.

NATAS - Torne-se Alguém MelhorOnde histórias criam vida. Descubra agora