CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 01

— O Bruninho está voltando!

Essa foi a frase que me fez parar a colher a poucos centímetros da minha boca. Eu simplesmente não podia acreditar no que estava ouvindo. Depois de tanto tempo. É certo que eu esperava que ele um dia fosse voltar, afinal, nós namorávamos quando ele foi estudar fora no começo do Ensino Médio. Foi um chororô danado. Éramos duas crianças de quinze anos que mal tinham dado o primeiro beijo quando esse turbilhão de mudanças aconteceu.

O pior é que fui eu quem insistiu para que ele participasse da prova escolar que lhe deu a bolsa. Eu o ajudei a estudar, eu esperei e torci por ele durante duas horas do lado de fora da sala. No fundo, eu esperava que ele não conseguisse. Mas eu sabia que ele ia conseguir. Eu tinha certeza disso. Tudo que eu queria dizer, seguindo de uma tapinha nas costas era: "tudo bem, Bruno. O Rubinho também não passou". Mas quando chegou o dia em que seu nome estava na lista como aprovado numa folha branca colada no mural da escola, eu só pude pensar que Londres era longe para caramba. Eu sabia que ele iria passar.

Durante a última semana que ele ficou no Brasil, um filme de nossos melhores momentos se passou na minha cabeça. Era o auge da Clarice Falcão e eu só queria mesmo me jogar do oitavo andar, mas, no fim, acabei, coincidentemente, comendo a torta de amora no jantar que mamãe tinha feito para aplacar o buraco escuro e imenso no meu coração. Na verdade, não tinha torta, só o buraco escuro e imenso, e um gosto amargo de alho de macarrão com molho.

Lembrei de como a gente se conheceu na festa da metida da Renata debaixo da mesa do bolo. Ambos tivemos a ideia de levar o máximo de pratinhos de brigadeiro e se esconder dos adultos chatos que diziam o quanto éramos fofinhos e apertavam com força nossas bochechas. Ali conversamos sobre os desenhos da Tv Globinho que mais gostávamos. Ele assistia o Sonic e eu amava As Três Espiãs Demais. Lembrei também dos nossos banhos de mangueira no final da tarde ensolarada. Do nosso primeiro beijo na praia depois que ele ficou com ciúmes porque pedi para que o Rubinho me ajudasse na lição de casa de Biologia.

E em como o clima entre nós ficou estranho depois disso.

Quando contamos sobre nossa sexualidade, e os gritos dos nossos pais, a aflição nos olhos das nossas mães. A decisão que eles tomaram de que era melhor que nós nunca mais nos víssemos de novo. Eu chorei de medo a noite toda. Então, no dia seguinte, eu coloquei algumas roupas na mochila, pulei a janela e fugi com Bruno para o único lugar que conhecíamos: a escola. Passamos o fim de semana inteiro lá e nos alimentamos de batatinha frita até as viaturas da polícia chegarem com nossos pais chorando de alívio por ter nos encontrado vivos.

Depois do encontro que tivemos com a psicóloga, eles entenderam que a nossa sexualidade não era uma opção, nem uma escolha, que o perigo sempre vai existir no mundo e que eles não poderiam nos proteger para sempre. Sendo assim, nosso namoro foi permitido sob a supervisão severa deles.

Porta aberta, nada de mãos dadas na rua, nem de abraços, nem de beijos, nem de comentários sobre. Era absurdo, mas a gente nem ligou. Só nós dois juntos era o suficiente.

Mas aí veio a nossa primeira briga, porque eu vi a Renata beijando ele numa sala quando eu estava o procurando no intervalo. Aquilo me encheu de raiva e como eu não podia contar nada a ninguém, eu chorei dentro do banheiro o restante do tempo. Em casa ele, tentou me explicar que ela tinha beijado ele e que depois ele disse que já gostava de alguém. Mas eu não quis saber, porque ela podia beijar ele quando quisesse e eu não! Eu bati a porta na cara dele e pedi para que nunca mais me procurasse. Claro que era tudo drama. Mais tarde, lá pra's 21h da noite, eu vi que ele estava online e enviei uma carinha sem graça na esperança dele me responder.

eu sinto uma HIPÉRBOLE por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora