CAPÍTULO 7

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CAPÍTULO 07

Eu preciso reconquistar o Bruno. Essa certeza ecoou no meu ouvido como um acorde de ukulele. Nada parecia fazer mais sentido na minha cabeça. É algo subliminar, absoluto, um pouco catastrófico, mas nunca equivocado. Tracei uma lista mental e sublinhei em amarelo os motivos pelos quais Bruno me dispensou tão rapidamente, e me bloqueou com maestria da sua vida social digital, social sem o digital. Eu sou louco. Só tinha esse motivo mesmo. Mas eu sempre fui assim. Risquei o motivo. Tracei outro. Eu sou inseguro, problemático, compulsivo, tóxico.

Meu Deus, eu sou a pior pessoa do mundo!

Chorei um pouco agarrado no meu travesseiro.

Mas, tudo bem. Tomei um banho, chorei no banho. Eu nunca soube como é sofrer pós término, porque tecnicamente Bruno só terminou comigo agora. Eu devia escrever uma música sobre isso. Mas, o errado da música seria eu. Como as pessoas iam se identificar? Essa merda nunca tocaria numa novela.

Eu não sei em que parte me perdi tanto de mim mesmo. Eu era brilhante quando adolescente. Quase nada podia abalar o Constantino do ensino fundamental e médio. Eu estava pouco me importando com o restante do mundo e revirava os olhos para o que não gostava. Hoje, eu sorrio e aceno para o que não gosto. Acho que Bruno esperava encontrar o eu do passado; decidido, divertido, o garoto que pulava no colchão enquanto escutava Scotty Doesn't Know, porque eu era muito descolado. Naquela época era rebelde um garoto beijar outro garoto e usar lápis de olho. Será que eu ainda fico bem com ele? Será que ainda vou conseguir passar mesmo com toda a tremedeira na mão?

Bufo para mim mesmo, enquanto vejo minha cara limpa no espelho.

— Olha pra você. Tão patético nos seus dilemas existenciais chatos.

Eu me viro. Constantino do ensino médio estava deitado na minha cama, folheando uma revista sem nem dar atenção para mim. E ele estava com os sapatos no meu lençol limpo! Fala sério, quem usava meia de listras com bermuda? Eu me achava muito estiloso usando isso.

— Até parece que você não vai crescer e se transformar nesse buraco negro de dilemas existenciais aqui — eu digo, dando de ombros.

— Não — ele fala, arqueando as sobrancelhas. — Você tá cansado do seu modelinho, mas eu não tenho culpa das suas projeções. Eu nunca me transformaria em você.

— Nossa, você é tão cruel! Olha as coisas que você diz. Seus pais nunca te ensinaram...

Ele revirou os olhos e suspirou, entediado. Eu apenas fico, estatelado, onde estou, porque eu não sabia como era irritante quando eu ignorava os adultos e fala insultos sem ao menos olhar na cara deles. Fecho minha boca entreaberta, completamente derrotado por mim mesmo.

— O Bruno ficou ainda mais gato. Nem acredito que deixou ele ir — Tino fala, fechando a revista e dando uma olhada no meu quarto.

— Você deixou ele ir primeiro — eu revido.

— Colocar a culpa nas crianças na sua idade não cai nada bem pra você — ele retruca, lamentando falsamente.

— Se você fosse uma criança, mas você é só uma imaginação, um delírio horroroso da minha mente. Que droga, eu preciso fazer terapia — eu digo, angustiado.

— Ai, como você é irritante. Se eu fosse seu terapeuta, eu chutava essa sua cara de merda!

Eu agarro minha toalha molhada na cadeira e jogo na cara dessa criança insolente e ela some logo depois.

Saio às pressas de casa, agarro minha bicicleta e decido pedalar sem rumo pela cidade. Espairecer minha mente nem sempre tão lúcida.

Respiro fundo, enquanto observo a paisagem de SP, o cheiro de combustível e o sol da manhã no meu rosto. No meu fone de ouvido toca Fred Astaire da Clarice Falcão. O céu azul, as nuvens brancas, os prédios gigantes, as paredes grafitadas. Ironicamente, corações por toda a parte. Sigo pedalando firme, enquanto sinto o ar leve. Um frescor, sabe? Como se minhas lágrimas tivessem secas no meu rosto, e eu nem estava chorando agora.

Continuei pedalando, inventando romances incompreendidos para cada pessoa que passava por mim, para cada chance que eu tinha. Do senhor de bengala a um cachorro de rua. Ninguém passava intacto sob meus olhos. Até consegui enganar meus pensamentos de que tinha esquecido Bruno. Só que aí, sob a luz amarela do céu, acompanhado de uma paisagem verde e de um charme resplandecente de quem está se exercitando ocasionalmente, Bruno passa na minha frente, pedalando. O Bruno mesmo, o Bruno real, não uma ilusão da minha mente.

Minha bicicleta desenfreou (e eu pensando que isso só acontecia com o meu coração). Ele sumiu e eu comecei a pedalar como se tivesse numa maratona. O primeiro lugar leva o coração de Bruno.

— Bruno!

Eu grito e, assim que viro a esquina, eu o vejo, um pouco distante, mas qual amor que não é? Pedalo o mais rápido que posso.

— Bruno! Bruno!

Eu grito, chamando atenção das pessoas. Bruno olha para trás e me vê. Eu sorrio e ele fingiu que não me viu, e também acho que começou a pedalar mais rápido, e também acho que começou a fugir de mim.

— Bruno, Bruno, volta aqui! A gente precisa conversar!

Eu vou atrás dele, porque é isso que eu faço. É tudo que eu sei fazer. O sinal fechou. Ele vai parar. Ele não parou. Ele passou mesmo assim! Eu faço o mesmo e pedalo ainda mais rápido, levantando um pouco do assento da cadeira, engolindo a poluição, vendo as coisas passarem rápidas e desgovernadas por mim. Do nada, nada era mais tão romântico!

— Bruno!

Eu o chamo, quase o alcançando. Ele olha para mim de vez em vez. Com raiva? Com medo?

— Bruno, me desculpa! Eu sei que eu sou um pouco... psicopata?

— Vai embora, Tino. Me deixe em paz! — ele fala, mas a sua voz quase que não chega até mim.

— A gente precisa falar sobre o que aconteceu. Ok, a gente brigou, você terminou comigo, a culpa foi minha. Eu só queria te pedir desculpas e te pedir pra confiar em mim de novo.

Sim, eu disse isso enquanto perseguia ele na rua. E acho que ele acha isso absurdo, porque me olhou com uma cara de espanto.

— Bruno, eu faço terapia por você, eu posso voltar a ser o Tino de antes, o Tino que você conheceu, eu posso ser qualquer coisa por você, Bruno, porque...

— Tino, já chega. Acabou. Eu não quero você na minha vida, nem o de agora, nem o de antes. Acho que eu me enganei quando voltei pra cá pensando em você. A culpa não foi só sua — ele diz, gritando. Sua voz cortava.

— O que você quer dizer com isso? — eu pergunto, já ofegante.

— Que talvez eu estava apegado ao passado, assim como você. O que nós dois fomos antes já não cabe mais no que somos agora. Acho que, como todas as paixões de colegial, a nossa também não era tão grande assim — eu não acredito que ele estava dizendo isso.

— Bruno...

— Na verdade, vai ser melhor a gente não se falar.

Eu coloco meus pés no chão (não só metaforicamente) e paro de pedalar. Ele não faz o mesmo e segue seu caminho (preciso explicar?).

— Mas, eu te amo. Bruno, eu te amo!

Eu grito para ele, que se virou, me encarando enquanto pedalava. Seu cabelo esvoaça um pouco. Eu esperava que ele voltasse e me beijasse no meio da rua, enquanto dizia o quanto esperou que eu dissesse isso sua vida inteira, porque eu esperei por muito tempo pra dizer isso. As palavras finalmente escapuliram da minha boca. Mas já era tarde demais. Pareceram nem fazer cócegas no coração de Bruno. Lamentavelmente, ele me deu as costas de vez. Há quantas poucas, só notei que a música alegre havia acabado faz anos. Mas, o que importa? Qualquer música, mesmo carnavalesca, seria incapaz de difundir, atenuar, a cena trágica aqui narrada. Nem mesmo se caíssem confetes do céu, e uma orquestra inteira tocasse atrás de mim, com seus tambores e saxofones, e flautas.

— Eu te amo...

Sem voz, eu fiquei no mesmo lugar, enquanto ele partia. Como sempre. Bruno acabou de dizer que não só tinha terminado tudo, como também já não era mais apaixonado por mim. Ele estava cortando relações, me tirando da sua vida sem nem ao menos prestar um último ato de cavalheirismo. Nem sequer me levou até a porta. Se alguém souber outra interpretação, por favor, me digam. Entrelinhas, sinônimos, teorias, análises, ensaios. Mas, se não houver nada, nada, apenas me observem observá-lo sumir entre a distância e minha miopia.

Bruno realmente tinha acabado de quebrar meu coração.  

eu sinto uma HIPÉRBOLE por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora