CAPÍTULO 10

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CAPÍTULO 10

Eu vou desafinar bem antes do refrão. Paro de escrever depois que completo essa frase. A única que, na minha cabeça, viria a se tornar uma melodia, que viria a se tornar uma música, que atingiria o peito e, principalmente, a cabeça de Bruno em cheio. Depois não sai mais nada. Eu achei que o sofrimento e a dor rendessem bem mais do que uma frase jogada numa folha imensa do meu caderno. Minha expectativa é que ela me renda dólares, ou, no mínimo, muitas noites mal dormidas pra você, Bruno. Seu feed cheio de mensagens e comentários revoltosos de pessoas que nem te conhecem de verdade, mas que acreditaram na minha verdade e se identificaram com a minha instabilidade emocional aguçada pela sua responsabilidade consigo mesmo. O errado fui eu, mas você nem sequer é uma vítima em potencial. Você não pode ser vítima quando dispensa a pessoa que há uma semana atrás estava deitada na sua cama, ou em cima de você no seu sofá. Não se faz isso, não, definitivamente não funciona assim. Uma verdade minha é sempre honesta.

E como num passe de mágica a segunda frase da minha breve, contudo atroz canção, foi escrita na imensa folha do meu caderno. Intencionalmente, eu aperto fundo a ponta da caneta azul. É, eu espero que você tenha sentido isso.

Eu te odeio. Essa parte é mentira. Nos meus primeiros trinta pensamentos eu te odeio, depois eu te amo, eu te amo, eu te amo e agora que eu aprendi a dizer isso, minha língua acostumou, ou melhor, ela está viciada, ela está viciada em dizer "eu te amo" e mais ainda: "eu te amo, Bruno". Eu te amo Bruno é heroína, êxtase. Minha língua pinica, coça, sarra nos meus dentes, saliva veneno e escorre doce pelos meus lábios. Eu não sei mais o que fazer com isso. Será que se eu gritar com uma foto sua resolve?

Eu deito e assobio, e durmo logo em seguida.

Acordo bem depois com a campainha da casa tocando freneticamente. Vou cambaleante atender. Não vejo ninguém. Mamãe provavelmente não tinha voltado do colégio. Lembrei que tenho que ligar para o papai hoje. Mamãe e papai se separaram e desde então eu vivo pra lá e pra cá consolando as lamentações dos dois. Papai lamenta mais do que a mamãe. Pelo menos ela tem os alunos para distraí-la. Já papai só tem eu. Nossa, eu tenho tanta pena dele!

Abro a porta e dou de cara com Rubinho. Isso mesmo, Rubinho. Ele contorce o lábio, sem graça, me estendendo uma caixinha azul com pães, como se levantasse uma bandeira de paz.

— Como você me ajudou a fazê-los, achei justo vir trazê-los até você — ele me disse, enquanto me observava devorar um pão, porque tinha acordado com muita fome.

— Hm. Isso aqui é muito bom, meu Deus. Eu simplesmente não acredito que modelei isso.

Eu falo e continuo mastigando. Do outro lado da sala, me olhando sentado no sofá florido de mamãe, Rubinho estava me deixando desconfortável e até engolir o pão pareceu um tremendo sacrifício.

Será que ele estava com pena de mim? Pobre menino virgem. Ou será que ele veio terminar o trabalho de ontem? Não, eu não estava preparado para isso. Aí ele começa a rir do nada, do nada. O que é que está acontecendo?

— O que é que foi? — eu pergunto, envergonhado, passando a mão na boca para limpar os farelos do pão que eu sei estão ali.

— Não, é que é engraçado observar você — ele diz.

— Por quê? — deve ser porque pareço uma atração no zoológico.

— Mesmo você não falando nada, você parece falar o tempo todo, sabe? Dá pra ver seus pensamentos saindo da sua cabeça, tipo uma panela de pressão.

— E como isso é engraçado?

— É engraçado para mim. Se você fosse um assassino em série, desses filmes, as pessoas com certeza saberiam o que você estava pensando. Tipo, você matando a pessoa e pensando em mil coisas, e a pessoa lá agonizando vendo a fumaça dos pensamentos saindo da sua cabeça, dizendo "eu só estou te matando porque essa é a minha função aqui, mas não é nada necessariamente pessoal, é só um jogo narrativo para que o roteiro não fique tão previsível, etecetera, etecetera".

eu sinto uma HIPÉRBOLE por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora