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Não abri os olhos quando o carro despencou. Mal deixei de ouvir o atrito incansável dos pneus com o asfalto, para ser sincera. A lataria da caminhonete velha colidia com as falhas da serra. Eu fui jogada contra a marcha e o parabrisas e não senti um arranhão, para ser honesta, ouvi apenas o rádio. A música ensurdecia-me para qualquer outra onda sonora, mecânica ou luminosa. Aos poucos ia caindo, de pancada em pancada nas pedras, até que voltei.
De volta para a escuridão.
Como se me fizesse flutuar entre o onírico e o real, a voz grave e angustiada de Amy Winehouse fez-me abrir os olhos num processo lento e gradual. A chuva caía sem piedade sobre os vidros do carro e eu ainda estava ali, no acostamento, com a porra do cinto de segurança afivelado. Confesso que às vezes não sei o que quero.
Pego meu celular no banco do carona, piscando com seus quinze por cento de bateria. Mensagens da minha mãe, minha secretária, minha operadora de telefone. Talvez um desses contatos realmente se importe comigo. Sempre recebo as melhores promoções de dados móveis.
São sete e quarenta da noite. Sinto meu estômago se contorcer de fome e giro a chave na ignição, passando as costas da mão direita nos olhos para me despertar melhor. Jogo um peteleco sobre a tela do GPS, digitando "restaurante" e clicando na opção mais próxima antes de colocar o pé no acelerador. Pararia em qualquer porcaria de beira de estrada, e torceria para que me indicassem um hotel por perto.
O primeiro estabelecimento que achei foi um bar que, a julgar pela aparência externa, seria o bastante pra me abastecer por algumas horas. Chequei o relógio mais uma vez e coloquei o celular no bolso traseiro do jeans antes de descer do carro e entrar ali. O lugar não estava muito cheio, talvez com a metade da lotação. A estrutura de madeira rangia sob meus pés ao passo que andava até uma mesa num canto, distante da maioria das pessoas, onde eu pudesse beber e comer em paz. Já sentada passo um olhar mais minucioso pelo entorno – era um espaço um tanto pequeno, com um balcão de bartender no fundo, ao lado da porta para a cozinha. Havia um pequeno espaço reservado a uma mesa surrada de pebolim e um pequeno alvo de dardos. Algumas fotos polaroid estavam presas à parede por tachinhas enferrujadas, ao lado de posters de bandas que denunciavam muito bem a idade do proprietário. Só então prestei atenção no nome do lugar, estampado no avental de uma das garçonetes – Fronteira.
Achei inteligente. Ainda observando o logotipo marrom contra o tecido preto, percebo que tal garçonete, antes rindo de alguma piada sem graça contada por um grupo de quatro homens cuja barba com certeza abrigava milhares de insetos, olhava direto pra mim.
Pisquei rapidamente e desviei o olhar, apoiando os cotovelos na mesa sem antes conseguir analisar o rosto da garota. Cerca de um minuto e meio depois ela havia atravessado o bar em minha direção, colocando duas folhas laminadas na mesa redonda.
- Boa noite. - disse. Sua voz era macia, energética, acompanhando o ritmo um pouco acelerado de sua fala. - Meu nome é Shuhua, estarei servindo você hoje. Primeira vez?
Levantei o rosto para olhá-la. Seu rosto era o par perfeito para sua voz. Seu sorriso deixava covinhas em suas bochechas e seu cabelo caía um pouco ondulado sobre os ombros descobertos, escondendo as alças da regata que usava. Jovem, pelo visto. Ao que parecia não usava nenhum tipo de maquiagem no rosto, apenas um leve brilho hidratante nos lábios. Segurava uma pequena caderneta e tinha um lápis encaixado entre a orelha e a cabeça.
- Sim... - respondo.
- Ótimo! Vai adorar nosso bar. Posso perguntar de onde você é?
Pego em mãos as folhas laminadas, observando com cuidado as opções. Não havia tantas opções de comida, mas consegui notar que tinham bartenders muito talentosos - a lista de drinks era enorme.
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borderline !¡ sooshu
Fanfictionem que shuhua é filha do dono de um bar de beira de estrada e, entediada com a própria realidade, decide brincar com soojin, uma das viajantes que não tinha onde dormir.