gasoline

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- Não tá muito tarde pra você estar fora de casa?

A voz grave súbita quebrando o silêncio fez um arrepio descer por minhas costas. Me virei a tempo de ver Lucas sorrir, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta azul que usava.

- Eu já estava indo. Acabei de fechar o bar. - respondi, me afastando da garagem a passos curtos. Ele logo colocou o braço em volta do meu ombro ao passo que iniciamos o caminho.

- Que vira lata você acolheu dessa vez, hm? - ele disse, arrancando uma risada minha quase sem que eu percebesse.

- Uma viajante. Ela tava dormindo no carro lá no estacionamento, então ofereci a garagem.

- Shu... - ele abaixou o rosto para olhar em minha direção com o cenho arqueado e aquele olhar repreensivo que meu pai me dava quando eu era pirralha.

- Não começa, Yukhei. - levanto a mão, antes que ele dissesse mais alguma coisa. - A garagem é separada da casa, que por sinal fica trancada.

- Você confia demais nos outros.

- Eu tô começando a me arrepender de suportar você. ‐ digo, e ele me aperta no abraço lateral.

- Seu pai sabe que ela tá dormindo na garagem?

- Ele vai descobrir amanhã. - dei de ombros. - E me poupe de sermão, já me basta a provável bronca que eu vou tomar dele quando acordar.

- Sim, senhorita. - Yukhei riu, e nós paramos na frente da porta de casa. Ele colocou ambas as mãos em meus ombros, me virando de frente. Coloquei a mão direita sobre um de seus braços antes que ele depositasse um beijo leve sobre meus lábios. - Vai dormir. Você precisa da cabeça renovada pra estudar.

Passei a língua entre os lábios, meneando positivamente com a cabeça. Aquele inferno de prova.

- Te amo, Shu.

- Também te amo.

A noite passou tão pesada quanto minha cabeça naquele momento. Assim que joguei o casaco no chão do quarto e tombei em minha cama virei o rosto, encarando o céu através do vidro embaçado da janela. Naquela mesma posição acordei, com o brilho ameno do sol fazendo cócegas em minhas pálpebras.

Após tomar um banho rápido e me ajeitar em minha regata e calças jeans, desci as escadas correndo. Montei dois sanduíches de queijo cantarolando uma música qualquer do Queen, logo enchendo duas xícaras com café recém coado que meu pai provavelmente havia feito meia hora antes. Ele acordava cedo para ficar no bar ajudando o pessoal da limpeza a arrumar a bagunça da noite anterior - o que me dava um tempo considerável para tirar aquela mulher da garagem antes que ele descobrisse.

Quando saí da casa, o sol já estava um tanto mais forte. Semicerrei os olhos até me acostumar com a luminosidade e andei até o pequeno celeiro que usávamos de garagem - seria muito mais legal ser do interior se aquilo realmente fosse um celeiro. Com o prato com os sanduíches em uma mão e as xícaras prestes a cair na outra, usei o pé para escancarar o portão, revelando o carro preto ali dentro. Aparentemente ela ainda estava dormindo.

- Achou mesmo que iria dormir no interior e não seria acordada por uma galinha? - falei alto, colocando logo tudo o que tinha em mãos em cima do capô. Bati duas palmas até ver que o banco estava vazio.

- Que bom que estou mais esperta que a galinha. - quando ouvi a voz dela atrás de mim, percebi que havia esquecido como soava. Era uma sensação sinestésica, quase como sentir um pedaço de veludo contra meus ouvidos. Me virei de costas para o carro e lá estava ela, de braços cruzados em frente ao portão aberto. Também havia me esquecido da beleza da maldita. - Acordei agora há pouco. Não consegui dormir direito.

borderline !¡ sooshuOnde histórias criam vida. Descubra agora