O disparo derradeiro

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          Eu lembro de ter ficado um tanto angustiado com o som do primeiro disparo e com o silêncio na linha, então o segundo disparo veio e meu estômago afundou em desespero. Lembro de ter largado tudo, correndo para o castelo de Gatsby como se minha vida dependesse disso. Eu lembro dos empregados feito baratas tontas sem saber o que fazer, eu mesmo como um deles, completamente perdido. Havia médicos ali, em procedimentos que eu não saberia descrever, mas que tentavam mantê-lo vivo ou trazê-lo de volta para o caso dele já ter partido. Eu lembro que em determinado momento, enquanto o conduziam para o hospital, eu me senti paralisado. Houve também um sentimento de repulsa, que passou rápido pelo meu corpo, quando vi o corpo do marido da amante de Tom. Um curto,  porém grande acesso de fúria, quando vi a arma que ele usou para disparar contra Jay. Entretanto meu corpo voltou a se afundar em angústia ao ver o sangue se misturando com a água da piscina.

          No hospital eu ainda estava no automático, como se eu estivesse observando tudo de fora do meu corpo. Semanas se passaram lentamente e Jay permanecia em coma, dormindo tranquilamente. Por mais que eu quisesse vê-lo sorrindo em meio a suas festa novamente, secretamente desejava, às vezes, que ele permanecesse dormindo para sempre, pois ele não teria mais Daisy para dedicar suas expansivas festas, e seria extremamente difícil para ele lidar com isso. Meus dias passaram a ser preenchidos de expectativa e angústia, cada vez que eu entrava naquele quarto onde ele dormia tranquilamente.

          O que se sucedeu após o desastroso incidente, foi um excesso de tablóides e investigadores apurando o que aconteceu, mas tão rápido como essa poeira tempestuosa surgiu ela se foi. Depois de testemunhas terem afirmado que viram a mulher do grande herdeiro ao volante, e de descobrirem que Tom mantinha um quarto no Plaza para a mulher morta. O caso fora fechado como um infeliz incidente de uma mulher desesperada que correu confusa para a rua por apanhar do marido. Quanto a tentativa de homicídio, ficou por isso mesmo, já que o acusado tirou a própria vida e a vítima estava hospitalizada. O caso fora arquivado.

          Em um dia, tudo que se via nos tablóides era matérias sem um pingo de parcialidade, cheias de veneno em meio a acusações. No outro, matérias saudosas quanto a Gatsby, se perguntando quando o grande empresário estaria saudável novamente para lhe proporcionar mais de suas "deslumbrantes festas".  Até pedidos de orações eram feitos, com letras em negrito no fim das matérias. Nick ria seco enquanto lia as hipocrisia nas folhas. Mas como tudo em Nova York é passageiro, Gatsby deixou de ser uma saudade em menos de uma semana, dando lugar a qualquer outro novo rico disposto a entreter a espontânea cidade.


          Levou exatos dois meses, depois dos tabloides esquecerem de Gatsby, para ele acordar. Nick havia finalizado seu livro, como uma promessa caso Jay acordasse "seguirei meu sonho, então traga-o de volta por favor" e como um milagre, quando o mais novo desempregado de Nova York atravessou a porta do quarto, Jay estava sentado em sua cama, olhando pela janela, um olhar pensativo que se desmanchou em esperança quando ouviu a porta abrir. Os olhares se encontraram. O de Nick transbordando de uma surpresa feliz, em contraste com o de leve decepção de Jay. O mais nov percebendo que não era quem o outro desejava ver assumiu uma postura defensiva, não contra o outro, mas contra os próprios sentimentos. Sorriu simpático e adentrou de vez no quarto.


━━ Como se sente? ━━ Perguntou o talvez escritor, sentando-se na poltrona dedicada às visitas.

━━ Daisy, onde ela está? Lembro da ligação dela, mas...━━ Tocou em seu peito. Nick deduziu que era onde ele havia sido atingido.

━━ Está doendo? ━━ Questionou ignorando deliberadamente a fala do outro, que franziu o cenho ao notar o desvio.

━━ Você não me respondeu, old sport. ━━ Disse sem deixar espaço para contrariedades .

The great beginOnde histórias criam vida. Descubra agora