Mayana
Enquanto tomava meu café forte, sentada no pequeno sofá da sala, deixava meus olhos vagarem pela janela do apartamento. Lá fora, as ruas estavam vivas. Algumas pessoas caminhavam apressadas, carregando bolsas e preocupações. Outras pareciam mais tranquilas, aproveitando o dia. As crianças corriam pela pracinha ao lado, enquanto o senhor Aroldo abria sua livraria do outro lado da rua. A cena era familiar, quase reconfortante, mas hoje parecia um pouco distante, quase como se eu estivesse apenas observando um mundo ao qual já não pertencia.
Soltei um suspiro profundo, o aroma do café subindo ao meu nariz enquanto pensava no quanto desejei morar nesta cidade. Quando cheguei, tudo parecia tão cheio de possibilidades. Foi em janeiro do ano passado, depois que passei na faculdade de arquitetura. Com apenas 18 anos, era como se o mundo estivesse ao meu alcance. Consegui um emprego na livraria do senhor Aroldo e aluguei um quarto simples em um pensionato próximo. Minha rotina era cheia, mas satisfatória. Faculdade de manhã, trabalho à tarde e, à noite, o conforto de um lugar que, embora simples, era meu.
Foi na livraria que conheci Marco. Ele tinha um sorriso confiante, daquele tipo que te faz acreditar que ele sabe o que está fazendo. No começo, seu jeito protetor e atencioso me conquistou. Não demorou muito para que começássemos a namorar. Hoje estamos juntos há oito meses, mas as coisas mudaram. Marco me pediu para sair do trabalho, dizendo que queria mais tempo comigo. Também sugeriu que deixássemos o pensionato para ter mais privacidade. Agora, moramos juntos neste apartamento pequeno, mas confortável. Mesmo assim, as paredes parecem apertar mais a cada dia.
Marco tem um lado que me confunde. Ele é protetor, mas também controlador. Algumas vezes, suas explosões surgem do nada. No fundo, eu quero acreditar que isso é apenas o jeito dele de mostrar que se importa, mas há dias em que é difícil sustentar essa narrativa.
O toque do meu telefone me trouxe de volta ao presente. Olhei para a tela e sorri ao ver o nome de Sophia. Minha melhor amiga, minha irmã de alma.
Início da chamada 📲
— Bom dia, Sophi! Que saudade! — atendi animada, sentindo o coração aquecer só de ouvir sua voz.
— Bom dia, Maya! Você lembra que meu casamento é este mês, né? — perguntou com um tom direto que só ela tinha.
— Claro! Como poderia esquecer o casamento da minha melhor amiga? — sorri, mas já sentia uma pontada de ansiedade.
— Eu sei, mas estou ligando porque adiei muito isso. Até pensei em desistir da ideia, mas... não faz sentido me casar sem você ser minha madrinha.Fiquei sem palavras por um momento. Era uma honra enorme, mas também uma complicação.
— Mas, Sophi, está tão em cima da hora. Não ensaiei nada, nem provei o vestido... — tentei argumentar.
— Maya, vem esta semana. Dá tempo de ensaiar e experimentar o vestido. Sei que você não tem aulas agora, estamos em janeiro. Por favor, Mayana. — A súplica em sua voz era clara, e eu não sabia como dizer não.Suspirei, tentando encontrar uma saída.
— Vou conversar com o Marco e ver se ele pode ir comigo.
— Maya, se ele não puder, vem sem ele. Ele pode ir no dia do casamento. É muito importante pra mim!A culpa tomou conta de mim. Não queria decepcioná-la.
— Tudo bem, vou tentar. E quem vai entrar comigo na igreja?
— Meu irmão. Ele também só chega na semana que vem para ensaiar. — Sua risada leve contrastou com o peso que senti ao ouvir o nome de Benjamim.Meu coração disparou. Benjamim. Ele foi o meu primeiro em tantas coisas: primeiro amor, primeiro beijo, a primeira pessoa com quem fui verdadeiramente vulnerável. Mas ele nunca pareceu retribuir da mesma forma. Mesmo assim, nossas memórias juntos sempre foram um misto de doçura e dor.
— Tudo bem, vou fazer o possível. Beijos, Sophi.
— Beijos, Maya!Fim da chamada 📱
Passei o resto da manhã tentando me concentrar em tarefas simples, mas minha mente insistia em vagar. Preparar o almoço parecia ser a única coisa capaz de me manter minimamente distraída. Estava quase tudo pronto quando ouvi a chave girar na porta. Marco havia chegado. Seu semblante já denunciava que o humor não estava dos melhores.
— Oi, Marco. O almoço está pronto. — tentei soar animada. Ele me deu um selinho rápido, mas não sorriu.
— Vou tomar banho. Coloca a comida pra mim. — disse de forma seca.Enquanto ele estava no banho, servi o prato dele e coloquei um copo de refrigerante ao lado. Fiz isso no automático, como sempre. Marco não gostava da ideia de termos alguém para ajudar na casa. Para ele, meu lugar era aqui, cuidando de tudo. Era machismo? Sim. Mas eu não tinha energia para discutir.
Quando ele voltou, sentou-se à mesa, e eu comecei a me servir.
— Gata, não acha melhor comer só uma carne e salada? Tem que manter o peso. — comentou casualmente, mas suas palavras me acertaram como um soco. Engoli a resposta e simplesmente concordei, colocando um bife e salada no prato.Enquanto comia, ele me observava.
— Vi no seu celular que a tal Sophia te ligou. O que ela queria? — perguntou.
— Ela quer que eu seja madrinha do casamento. — Minha voz saiu hesitante, temendo a reação.
— Em cima da hora? Isso não faz sentido. Você não ensaiou, não provou o vestido, e eu nem posso tirar folga.
— Ela sugeriu que eu fosse antes, no domingo. Durante a semana, resolveríamos tudo. — expliquei, tentando parecer tranquila.
— E quem vai entrar com você na igreja?
— O irmão dela. Benjamim. — murmurei, baixando os olhos.Marco franziu a testa, claramente irritado.
— Não gosto da ideia de você entrar com outro homem na igreja. Mas, se você for boazinha, talvez a gente vá. — disse, com um sorriso que misturava malícia e controle.Deixei o assunto morrer ali. Já sabia que insistir só pioraria as coisas. Enquanto ele foi descansar, arrumei a cozinha e me sentei no sofá, tentando me distrair com um filme. Mas a ligação de Sophia e o que ela representava não saíam da minha cabeça.
À noite, deitada na cama, não conseguia dormir. As palavras de Sophia e meu pai ecoavam em minha mente. Este apartamento que parecia um sonho agora mais se assemelhava a uma prisão. Eu queria voltar para casa. Sentir o abraço do meu pai, o carinho de pessoas que realmente se importavam comigo.
Recebi uma mensagem de Sophia com uma foto antiga nossa, junto com Benjamim e Igor. A lembrança aqueceu meu coração. Depois de olhar para a foto por longos minutos, tomei minha decisão: Marco indo ou não, eu seria a madrinha do casamento dela.
Enviei a mensagem para Sophia confirmando minha presença e, pela primeira vez em meses, senti que tinha recuperado um pouco de mim mesma. Talvez, voltar para casa fosse exatamente o que eu precisava.
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Salva-me (reescrevendo)
RomanceMayana sempre teve o sonho de fazer uma faculdade, que de preferência fosse em outra cidade. Ela queria ser independente e viver uma bela aventura, o sonho universitário completo.⠀ ⠀ Mas ela não esperava que tudo fosse acontecer ao contrário. Suas e...