Menina/Boneca

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    A mulher, que Elena decidiu apelidar carinhosamente de "feiosa" mandou que eles formassem fila, houve um murmurinho. Elena conseguiu captar algumas palavras e frases, algo soou como "de novo?", uma voz feminina disse "toda vez que alguém chega é a mesma coisa" " marionetes do reino" alguém disse, e a primeira voz feminina grunhiu em concordância. Feiosa fez um som de "XIIII!" e um chicote estalou em algum lugar.

    Sem muito o que fazer Elena começou a observar a menina em sua frente, era alguns centímetros mais alta, e a única semelhança entre elas era o sexo, pois parava por aí. Onde Elena era morena e esguia, a menina em sua frente era branca como papel e loira de um jeito que Elena nunca tinha visto, quase sentia vontade de tocar seus cabelos que pareciam tão brancos e finos quanto teias de aranha, a menina era curvilínea e usava os melhores 'trapos' entre todos os outros prisioneiros. Olhando ao redor Elena notou que nenhum dos prisioneiros parecia ter mais que 18 anos, mas a menina a sua frente parecia estar bem perto disso.

- Olá – Elena se atreveu a sussurrar.

 A menina se virou e a encarou com enormes olhos azuis escuros, ela meneou a cabeça em um cumprimento silencioso. Sua boca fazia um arco perfeito e era rosada assim como suas bochechas. Ela parecia uma boneca. Não que Elena já tenha tido uma, mas certa vez viu uma menina segurar uma na praça de Maderim.

- O que é tudo isso? – Elena sussurrou novamente.

- Eles procuram pela reivindicada. – Sua voz era tão doce quanto sua aparência, como se tivesse aprendido a realmente entoar mel na voz.

- Reivindicada? – Elena uniu as sobrancelhas de um jeito que chegou a ser doloroso, e quando a garota iria responder...Feiosa pareceu ao lado delas e a empurrou para direita para que se endireitasse na fila. Elena decidiu que era uma boa hora para encarar seus pés sujos e descalços em um chão muito escorregadio e com poças do mesmo líquido fétido que escorria das paredes, aparentemente estavam aos pés de um penhasco, e as celas-gaiolas ficavam logo acima.

- Seres inúteis, mal sabem formar uma fila em linha reta. – Feiosa latiu. Literalmente latiu a frase.

- Hoje é o dia de sorte de vocês, criaturas. Terão um café da manhã, ao que me parece –  Ela continuou de maneira quase diplomática. Alguns sons animados escaparam da fila, mas a garota a frente continuou sem reação e até mesmo se endireitou, ajustando a sua já perfeita postura. A fila foi caminhando e Elena pode finalmente distinguir a mesa com algumas panelas postas, alguns momentos depois ela já estava de frente a essa mesma mesa e um homem alto com a aparência de um guerreiro jogou algo gosmento e fumegante em um prato e apontou o mesmo em direção a sua barriga. Se fosse uma espada, teria atravessado seu estômago. Elena pegou o prato na mesma hora em que seu estômago roncou, como se em concordância. Corando, ela perguntou ao servente-guerreiro:

- E o talher?

O homem soltou uma gargalhada tão alta que parecia que Elena o tinha atacado com cócegas.

- Já está em suas mãos, literalmente. – Ele disse com uma piscadela, seu bafo sugerindo que higiene também não era que se teria por aqui. Suspirando Elena saiu da fila e olhando ao redor encontrou a menina/boneca em um canto escuro encostada em uma parte seca da pedra do penhasco, ela caminhou até a garota e se sentou bufando.

- Pode me contar o que é reivindicada?

- É a pessoa mais poderosa viva no mundo, alguém que veio para trazer equilíbrio ao caos dos tiranos, um presente dos próprios deuses.

- Se é alguém tão velho, por que razão procurar entre crianças e adolescentes? - Elena perguntou fazendo um gesto amplo para enfatizar a dúvida. 

- Ela é capaz de mudar de forma, ao que parece. Então o Rei Oulos ordenou que todas as crianças e adolescentes fossem aprisionadas até que a criança reivindicada aparecesse. Algo sobre ela não conseguir esconder o poder por muito tempo e mão de obra barata.

- Desculpe, não estou realmente acompanhando. – Elena se viu dizendo. A garota suspirou.

- Nossa estadia aqui não é cortesia, novata. Trabalhamos incansavelmente nas minas abaixo desse penhasco. E sempre que chega um novo 'trabalhador' é servido café da manhã e depois todos recebemos dez chicotadas. É como dar algo em troca de algo. Nos dão comida, mas também nos mostram o nosso lugar aqui.

- Eu não chamaria esse 'grude' de comida, muito menos algo cortês, como um presente. – Elena disse bufando uma risada.

- Pois deveria... – a garota disse simplesmente e mortalmente séria. Logo, desviou os olhos vazios para outro lugar. Depois de longos segundos de silêncio constrangedor, Elena perguntou enfim:

- Qual o seu nome?

- Fabienne Salvaterre. E o seu? – Fabienne perguntou, com curiosidade genuína moldando as feições.

- Elena Denn. Prazer. – Elena disse estendendo a mão.

- Prazer. E pode me chamar de Fab. Sinto que seremos amigas. – Elas se olharam amistosamente, e apertaram as mãos. Mas todo o momento leve foi cortado por um som estridente de chicote e um grito agonizado. Fab começou a chorar baixinho e disse a Elena:

- Não coma todo mingau.

- Por... – Elena foi silenciada de sua pergunta quando Feiosa chamou: "Fabienne M. Salvaterre."

Fab caminhou até ela e um homem ruivo e alto que olhou para o prato em suas mãos branquelas e sorriu maliciosamente quando disse:

- Dez chicotadas por dez porções. – O grito que saiu de Fab fez com que Elena cerrasse os punhos e começasse a implorar por misericórdia, pensando que o mesmo ocorreria com ela.

Seu nome foi o próximo. Mas quando o ruivo olhou para o prato de Elena quase intocado, ele torceu a cara em uma careta de  desapontamento quando disse:

- Três chicotadas por três porções – Elena aceitou a punição, como se para ajudá-la a acordar desse pesadelo, algo para provar que realmente era real. E quando a dor cumprimentou suas costas nuas, ela soube. Era tudo muito real. E por Freya, precisava fugir.

Aquela Que Se Tornou BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora