Capítulo 1

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As coisas quase sempre davam errado para mim. Parecia que algo no universo conspirava contra mim fazendo nada dar certo. 

Após a morte do meu pai tive que me mudar para um apartamento quase três vezes menor e dividir o alugar com duas garotas insuportáveis. As vezes acho que elas fazem as coisas na tentativa de que eu resolva sair, já que não podem me expulsar.

Como ainda não paguei a primeira parcela do aluguel, elas me tratam como sua escrava pessoal, jogando roupas sujas na minha cara e sujando louças desnecessárias para que eu limpe. Fazem festas todos os fins de semana e saem no dia seguinte para que eu limpe com mais "privacidade". A mãe delas não é muito diferente. Estou quase me auto chamando de  gata borralheira.

Elas almoçam juntas todos os domingos e sempre tem que ser no apartamento, onde sujam tudo ao cozinhar e me chamam para limpar depois de comer. Mas não deixam que me junte a elas... Se não tenho dinheiro para pagar o aluguel quem dirá comprar alguma coisa para comer. Por isso chego cedo na escola, a tia da cantina sempre me reserva alguma sobra...

A febre que matou o papai ainda assola o país, Horton e seu incrível governo têm poucas chances de voltar a ser a primeira potência de Sotare, mas não que alguém vá ouvir comentários desiludidos de uma garota órfã de dezessete anos.

-Qual é, Jenkins! Olha por onde anda! - ouço o capitão do time berrar por ter esbarrado nele durante meus devaneios, de novo.

-Desculpe, Hunfrey - resmungo e volto a andar.

Maison Hunfrey, namorado de Melissa Coleman, uma das minhas colegas de quarto.

Ele está quase todos os dias, levo horas para conseguir dormir com tanto barulho que eles fazem...

Chego na sala e bato na porta temendo que a professora repare que sou eu.

-Srta. Jenkins, você está atrasada de novo - a Sra. Foster xinga e eu suspiro.

-Me desculpe, não vai acontecer de novo - digo correndo até o meu lugar antes que ela me mande para a sala do diretor de novo.

-Disso isso ontem, e anteontem... - ela diz e senta na mesa voltando a escrever alguma coisa no caderno azul.

Suspiro novamente e encaro os slides que contavam sobre a última pandemia antes do continente Americano se tornar Sotare e o Brasil se tornar Horton...

Covid-19, final de 2019 a início de 2021. Matou milhares de pessoas ao redor do mundo enquanto os brasileiros negligenciavam o uso de máscaras e álcool em gel.

Ignoro praticamente toda a aula por saber o suficiente do conteúdo para passar em uma possível prova que venha a ter. 

-Então, pessoal. Essa foi a última doença mais mortal e recente antes da Cargetam, a febre que assola o país hoje. Sabemos que a covid-19 era transmissível por contato, mas a Cargetam não é. Ela está presente em nossos corpos desde que nossos antepassados fizeram a vacina contra o vírus de 2019. Então, muitos pesquisadores acham que é um tipo de efeito colateral que evoluiu e pode ser ativado hoje, amanhã ou nunca. Nossos médicos pesquisadores ainda estão atrás de formas para que não o ativemos.

Quando a aula termina, levanto rapidamente vendo tudo ficar escuro pela queda de pressão, e então caminho depressa até a porta esbarrando nos meus colegas e em algumas classes e cadeiras.

Vou até a próxima sala e encaro a cabelo grisalho do Sr. Calvin enquanto ele começava a escrever a matéria no quadro.

-Bom dia, Sr. Calvin - digo esbarrando em uma cadeira e sentando nela mesmo.

-Olá, menina Jenkins - ele cumprimenta com um sorrisinho confuso. - Tenho para mim que você está na sala errada.

-Não senhor, eu repeti na sua matéria... Esqueceu? - pergunto e ele ri.

-Sim, sinto muito. Mas vamos esperar seus colegas para começar.

Depois que todas as minhas aulas terminaram, corro até o ponto de ônibus rezando para que não chovesse até que eu estivesse na lanchonete.

Não tive essa sorte. O mundo desaba sobre minha cabeça antes de eu subir no ônibus e seguir caminho até meu trabalho.

-Para o banheiro, agora! - meu chefe berra ao me ver molhando seu chão limpinho.

Corro para o banheiro encontrando Brianna também se trocando. 

-Bom dia - resmungo de cara fechada e observo-a me ignorar e sair tão rápido quanto eu entrei.

Brianna é a irmã de Melissa, de certa forma ela é mais suportável que a irmã já que conseguiu esse emprego para mim. Mas não somos amigas e ela vive dizendo que não vai me tratar bem só por eu ser órfã... Não que isso seja um motivo para me tratar bem ou mal....
Educação é uma escolha, né?

Coloco o uniforme que consiste em uma calça azul, uma blusa branca e um laço vermelho no cabelo, amarro o mesmo em um coque e enfeito o mesmo com a fitinha... Coloco o avental azul quase branco e corro para fora do banheiro.

Guardo minha mochila na ala dos funcionários e caminho até o balcão pegando o caderninho e a caneta para anotar os pedidos.

-O de sempre, Sra. Gomes? - pergunto encarando a velhinha que sempre pede um café e duas rosquinhas.

-Sim, menina. Obrigada - ela sorri fazendo um gesto para que eu saia.

Chego no balcão novamente com um sorrisinho. A Sra. Gomes é muito querida e tem um jeito bem grotesco comigo na lanchonete, mas quando a acompanho até o hospital ela adora contar histórias de sua adolescência.

Entrego o pedido a ela e deixo a folhinha com o pedido e o preço para que ela pague no caixa quando acabar.

E assim passo o dia, servindo e anotando pedidos até às 4h da manhã, quando vou para casa.

Tomo um banho frio e visto um pijama quente indo até o sofá e arrumando-o para dormir, finalmente.

Pelas Estrelas - contoOnde histórias criam vida. Descubra agora