RETORNO DO MUNDO DOS MORTOS

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PELOS OLHOS DE SEHER KERIMOGLU

*NARRATIVA BASEADA NO EP 75, PELOS OLHOS DE SEHER E INSPIRADA NUMA CERTA CENA DA SÉRIE "SRA. FAZILET E SUAS FILHAS". ESPERO QUE GOSTEM*

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 O gás me sufoca e fico desacordada em segundos. Ele conseguiu. O Ozan finalmente conseguiu o que queria: ir para a eternidade e me levar junto. Lutei com todas as minhas forças para voltar para Yusuf mas não teve jeito. Meu pequeno, minha vida e minha paz, vai ficar sozinho nesse mundo tão grande e tão traiçoeiro. E a culpa vai ser minha por ter deixado ele sem mim e sem seu tio, que morreu para me proteger. Yaman Kirimli. Um nome antes tão amargo e odiado, hoje tão doloroso ao ser lembrado por trazer saudades e culpa ao mesmo tempo, misturadas em diferentes proporções. "Me perdoe por ter tirado de você o convívio de Yusuf. Eu faria qualquer coisa para mudar nossa situação", peço perdão em pensamentos, pois infelizmente, ele não pode mais me ouvir...

Acordo com um rosto conhecido chamando por meu nome, apesar de não ser o rosto que desejava no momento.

– Seher! –, grita Selim, meu amigo de infância – Seher! –, me chama com mais intensidade, dando tapinhas em meu rosto para me manter acordada.

Ele está tossindo e tentando me tirar dali, falo seu nome, mas não consigo me manter acordada e desabo de vez, num escuro sem fim. Acordo e estou novamente naquela casa em ruínas, porém, não estou com ferimentos em meu corpo. A sala está pouco iluminada, mas consigo me enxergar com um vestido branco, com mangas esvoaçantes, diferente do que Ozan tinha preparado. A mesa está limpa e a sala organizada, sem velas e pétalas de rosas como estavam antes. Escuto a porta ser arrombada e me assusto, pensando que Ozan estava de volta. Porém, outro rosto aparece na porta: em estado de alerta, completamente arrumado num terno preto e de arma em punho, Yaman entra pela porta e me observa, aliviado por me ver.

- Você está bem? – pergunta ele.

- Você... Você está vivo?! – falo mais alto do que desejava, mas a alegria em meu peito é maior do que eu imaginava.

- Prometi salvar você, não prometi? Sempre mantenho minhas promessas, você sabe disso. – responde ele, com um leve sorriso no canto da boca.

Ele fica lindo sorrindo assim, eu penso, e retribuo o sorriso. Não vejo Ozan em lugar algum e não me importo, pois sei que tenho alguém para me proteger, alguém que posso confiar e que faria qualquer coisa por mim, como o gigante que ele contou na história para Yusuf dormir. Ele guarda a arma e me oferece a mão novamente e, dessa vez, a agarro sem hesitar. Indo em direção a porta, observo uma luz intensa, que quase cega meus olhos, mas me sinto em paz novamente. "Estamos voltando Yusuf, estamos voltando para proteger você, nosso legado, e não larga nunca mais", digo em meus pensamentos.

Abro os olhos atordoada, com pessoas desconhecidas ao redor gritando "ela voltou, vamos para o hospital! Rápido!" A polícia e a ambulância nos encontraram. Selim e Firat estão ao meu redor, dizendo que vou ficar bem. Meu peito dói devido ao gás, mas também pelo choque da realidade: retornei dos mortos, mas Yaman não. O Yusuf não terá seu tio de volta. Nosso gigante se foi. Já na ambulância, começo a chorar, me tremer e não consigo respirar direito. Eles colocam uma máscara de oxigênio e me sedam, onde adormeço junto com minha dor.

Passam alguns dias até que eu retorne da sedação. Estou debilitada, fraca e desolada demais para conseguir retornar. Me esforço para continuar dormindo, assim, não encaro minha dor de frente. Porém, preciso me erguer para que Yusuf não fique sozinho nesse mundo. Agora, somos só eu e ele, e ele têm apenas a mim em sua defesa. Sendo assim, tento superar a medicação e abrir os olhos. No quarto do hospital, mãe Nadire e Kiraz estão me olhando com alívio, aguardando alguma resposta.

- Olá, mãe Nadire, olá Kiraz – respondo, em voz baixa.

- Minha filha querida, que Allah lhe proteja sempre. Ainda bem que você conseguiu ser salva! – Responde Mãe Nadire, com lágrimas de felicidade no olhar.

- Ainda bem que você está se recuperando, Seher. Ficamos com muito medo de te perder. – responde Kiraz, feliz em me rever.

- Onde está Firat e Selim? – pergunto.

- Firat está finalizando o seu caso na delegacia. Aquele psicopata resistiu a intoxicação e saiu do hospital a alguns dias. Foi transferido para a ala psiquiátrica e ficará lá para sempre, se Deus permitir. Selim decidiu ir ao restaurante para ver se está tudo bem, mas retornará à tarde. Ele também aspirou gás enquanto tentava lhe salvar, mas está recuperado.

- Graças a Deus, mãe Nadire. – respondo, querendo encerrar o assunto. A dor da perda de Yaman é muito grande então decido mudar de assunto perguntando se elas poderiam chamar o médico, para que ele me avaliasse. Mãe Nadire se prontifica e vai chamar, enquanto Kiraz decide telefonar para Ali e Firat para avisar que estou acordada. Permaneço sozinha por pouco tempo no quarto, onde o médico e uma enfermeira entram e me examinam, explicando que mãe Nadire havia ido tomar um café. Eles me avaliam e explicam que não terei mais necessidade de utilizar a máscara de oxigênio e o soro, e que poderei ter alta em até dois dias, caso continue evoluindo bem. A enfermeira me avisa que irá trazer minha alimentação e sai, junto com o médico. Fico sozinha novamente e começo a relembrar da minha vinda ao hospital por causa da confusão na cadeia, causando um ferimento na minha barriga. Lembro do cuidado de Yaman, ao passar a noite comigo desacordada, sem comer ou dormir; relembro dele me ajudando a colocar o casaco devido ao frio do ar condicionado do quarto e do olhar carinhoso que ele me dirigiu... "Que saudades eu tenho de você!", penso com pesar. Infelizmente, tive que perder para valorizar sua garra e força em nos proteger, a mim, ao Yusuf, ao Irmão Ziya, e ao mesmo tempo, sua misericórdia e seu carinho conosco, mesmo nos momentos em que não mereci, como no galpão, por exemplo.

O tempo passa, me alimento, mas a comida do hospital é totalmente sem gosto, principalmente nesse momento. A enfermeira vem ao meu quarto e me incentiva a caminhar pelo hospital, devido ao tempo em que permaneci deitada. Kiraz me acompanha, enquanto mãe Nadire decide ir até a mansão pegar algumas roupas minhas.

- Aqui nesse andar existe uma varanda muito ventilada. Aguenta caminhar até lá? Vai te fazer melhor. – diz Kiraz, enquanto caminhamos devagar pelo corredor.

Afirmo com a cabeça pois não quero puxar assunto. Ela deve perceber pois não continua e permanecemos em silêncio. O hospital está calmo nesse horário, com poucas pessoas passando pelos corredores. Kiraz recebe uma chamada de Ali.

- A varanda que lhe falei é aqui, logo nesse corredor, virando à direita. Consegue ir sozinha? Tem cadeiras para que você sente caso esteja cansada. – pergunta Kiraz, enquanto o telefone toca.

- Pode ir. Já consigo andar sem dificuldades. Esperarei por você lá, não se preocupe comigo. – respondo, desejando esse momento sozinha.

Continuo seguindo pelo corredor devagar, com o coração pesado, mas sei que não é devido aos efeitos do gás. A culpa e a saudade estão me sufocando e eu não sei o que fazer. Viro à esquerda, ao invés da direita, e me deparo com elevadores no fim do corredor. Estou voltando para o corredor correto quando observo um homem sair do elevador. Alto, cabelo penteado de modo casual, moletom cinza e calça social, além de um tênis que nunca tinha vista ele usar. Me arrepio toda pensando ser alucinação, porém ele se assusta ao me ver também.

- Não pode ser... Você... Não morreu?! – falo em voz baixa.

Ele continua a caminhar na minha direção, com um olhar aliviado.

- Yaman, é você mesmo?! – pergunto, com lágrimas no rosto, rezando a Deus para que não seja imaginação. 

Me aproximo devagar, com medo de ser mentira, até que ele faz algo imaginável: abre os braços e eu corro até eles. Me agarro com força, enquanto ele responde:

- Sim, sou eu, Seher. Eu estou vivo, e estou bem aqui. Não pude deixar você. Prometi que te levaria de volta para Yusuf, certo? Sabe que sempre cumpro minhas promessas.

Continuo chorando, enquanto o abraço com mais força. Ele acaricia meu cabelo, me pedindo calma e dizendo que tudo ficará bem. A dor da culpa se foi, junto com a da saudade. A esperança e a paz se instalaram dentro de mim de tal forma que a única certeza que eu tenho agora é: nem o Yusuf nem eu poderemos mais viver sem esse gigante. Nunca mais.

Retorno do mundo dos mortos - OneShotOnde histórias criam vida. Descubra agora