Capítulo único - Olhos felinos

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Aquele dia começou estranho, então o rumo que estava tomando na cabeça de Jungwon não deveria ser surpreendente.

O rapaz costumava levantar mais cedo que os outros meninos no dormitório, então o ritual matinal de acordá-los era corriqueiro. Aos gritos ou a um simples toque, cada membro costumava despertar de uma forma diferente, mas todos depois dele. Então era fora do comum a cama de Jay estar vazia. O acontecimento era no mínimo diferente, verdade, entretanto uma coisa boa, já que não era agradável pra ninguém o circo que virava a casa para que Jay tivesse a decência de abrir os olhos.

Aquela semana era a semana de testes dos dois de qualquer forma, então talvez estivesse ligado à repentina disposição mostrada, portanto, o líder não deu tanta importância para o ocorrido no momento, apenas sendo grato pela agradável mudança de rotina. Jungwon percebeu Jay saindo da sala de maquiagem naquele momento, o tirando de seus devaneios.

Os cabelos loiros foram secos após o banho e o cheiro de madeira e mar o acompanhava, cheiro esse que fazia Jungwon se sentir instantaneamente mais calmo e protegido. Sem falar nada, eles caminharam juntos para frente de casa, esperando calmamente a carona que os staffs ofereciam. O silêncio era de alguma forma anormal, mas Jungwon supôs se tratar do nervosismo que vem antes de qualquer prova.

Jay encostou-se no portão, cruzando os braços firmemente contra o peito. O rapaz de olhos felinos ficou parado ao seu lado, sereno como de costume. O menino mais velho parecia querer dizer algo, o que fez com que Jungwon o mirasse com curiosidade. Ele não lembrava a última vez que seu amigo "quis dizer algo" e não simplesmente disse. Aquilo o deixou com uma pulga atrás da orelha, mas ignorou. Ainda que nada habitual, não era um acontecimento grande o suficiente para que qualquer um considerasse fora dos eixos terrestres .

Jay o encarou com seus olhos ferozes, como se constantemente avaliando o valor do mundo, mas cujo real conteúdo Jungwon sabia ser apenas gentileza e conforto. Ele abriu a boca, mas como se tivesse repentinamente mudado de ideia, fechou, e dali o jovem líder não ouviu nada. Sentiu suas sobrancelhas franzirem levemente em um sentimento novo e inexplicável, semelhante à frustração, que não queria sentir injustamente. Ambos eram diretos e seu relacionamento tinha funcionado assim desde sempre, e apesar das dificuldades de externalizar seus verdadeiros pensamentos, Jungwon se esforçava para não deixar Jay no completo escuro. A inversão de papéis o incomodou mais do que realmente era capaz de colocar em palavras. O barulho da van chegando, todavia, quebrou o silêncio, que para Jungwon se tornava cada vez mais difícil, e Jay desviou seu olhar penetrante.

— Vamos indo. — Jay jogou a mochila por cima do ombro direito, e Jungwon apenas concordou com um som indecifrável.

Apenas mais tarde Jungwon percebeu que não ganhou seu habitual abraço do não dito "tenha um bom dia, estou te desejando sorte, você se sairá bem".

(...)

O dia passou como um borrão: a ida e a vinda da escola, as longas horas de ensaio, uma entrevista. A progressão do dia, contudo, só servia para deixar Jungwon com o sentimento cada vez mais forte de que algo estava errado. Após o cronograma diário, era mais fácil refletir sobre os acontecimentos que na hora pareciam irrelevantes, mas que rapidamente tomavam outras proporções estando sozinho. Tudo parecia correto, as personalidades de seus outros amigos estavam no lugar, desde Heeseung se juntando a Sunghoon para fazer Sunoo ficar falsamente bravo a Ni-Ki e Jake estarem conversando em meio a risadas. O que estava irremediavelmente estranho era ligado a um repentino comportamento, ou melhor, à falta dele: Jay mal havia o tocado naquele dia.

É estranho pensar dessa forma, mas era verdade. Jungwon não costumava iniciar muitos toques, principalmente os com grandes níveis de indiscrição, mas jamais foi dado à frieza. Ele receberia abraços e carinhos sem reclamar, retribuindo todos com sua anuência ou com contatos mais brandos que respeitassem sua parcial timidez. A questão é que Jay costumava começar qualquer demonstração de afeto entre eles, e elas eram tão naturais quanto respirar. Quando, repentinamente, as mãos quentes e firmes ficaram longe de seu corpo, Jungwon não conseguiu evitar mas pensar que algo estava terrivelmente errado. Devido a sua natureza quieta e reservada, entretanto, ele não conseguia questionar o que aconteceu, se Jay fora tão mal nas provas que não queria conversar com ninguém... Mas suas suposições foram violentamente caladas quando Jay sentou-se ao lado de Ni-Ki e o abraçou cuidadosamente, encostando a cabeça loira nos ombros do maknae.

Olhos felinos - JaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora