Part 5

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Lá embaixo, perto do rio, um trabalhador puxava punhados de penas de um frango flácido, largando-as descuidadamente no chão. Os aldeões assavam outra ave sobre a fogueira, girando o longo espeto. O cheiro forte do feno recém-cortado, enrolado em fardos desmazelados, despertara os instintos animais dos moradores. Eles se sentiam lascivos em sua exaustão.

Valerie viu os homens colocarem barris enormes que, quando esvaziados, poderiam ser usados para descer morro abaixo. Barris como aqueles em que Valerie e Peter haviam ficado por algum tempo, certa vez, escondidos dos adultos. O mundo exterior reduzira-se a um ruído monótono dos confins do bosque onde estavam agachados, soltando risadas divertidas.

As lembranças de seu tempo com Peter eram tão concretas e compactas como algo que ela pudesse segurar. Como poderia esquecer? A nova lembrança se sobrepunha à antiga.

Alguém agora tocava na flauta uma melodia fantasmagórica. Seu pai comia ao som da música e teatralmente batia os pés a cada trinado.

— Ajuda a digestão — Cesaire falou, movimentando a cabeça conforme o flautista tocava.

Foi a primeira vez que ela o viu o dia todo.

Valerie mordeu a enorme coxa de frango, seu segundo pedaço. Prudence mediu, com inveja, a cintura fina de Valerie com as duas mãos: os dedos se tocavam.

— Não é justo! — ela reclamou.

Rose puxou as meninas de lado e as levou até a beira do rio para mostrar um barco velho que havia sido escondido no mato da margem naquela tarde. Era de um cinza desbotado pelo sol, manchado de excrementos de aves e de vestígios de água barrenta, com o tom decepcionante de manchas marrons cor de café.

— Isso vai bastar — Valerie disse, com um aceno de aprovação.

***

Caminhando de volta do rio, Valerie viu que Peter havia voltado e que o oficial de justiça estava parado diante dele.

— Vamos limpar a área de pinheiros amanhã, e eu poderia empregar um homem como você. Podemos contratá-lo.

— Você trabalha bem — Cesaire acrescentou, espontaneamente.

Valerie ficou surpresa com o que o pai havia dito, porém satisfeita.

Peter ouviu, olhando com dúvida.

— Vamos lhe dar um machado — o oficial de justiça completou.

Suas bochechas eram grossas e ásperas.

Peter sacou seu próprio machado de um bolso traseiro e o girou.

— Eu tenho o meu. Quero o dobro para cortar árvores.

O oficial de justiça ergueu uma sobrancelha e, mesmo com relutância, concordou com o preço. O rapaz trabalhava bem. Ele havia colhido mais feno que os outros.

— Muito bem! — ele se virou. — Os homens, nas rochas grandes, na outra margem do rio! As mulheres vão ficar deste lado.

Como rezava a tradição, os homens e as mulheres acampariam separados.

Apesar da separação costumeira, a mãe de Prudence estava preocupada. Era o primeiro ano que sua filha estava lá, e dizia-se que há muito tempo alguém havia sido morto pelo Lobo. Alguns diziam que havia sido uma criança; outros disseram que foram três meninas que se afastaram durante um mergulho. Outros ainda garantiram que fora uma mulher que havia fugido após ser surpreendida com um amante.

Tal como acontece com muito do folclore sobre o Lobo, ninguém sabia ao certo o que exatamente acontecera nem com quem. Todo mundo sabia apenas que algo acontecera com alguém.

A Garota da capa VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora