Cartas ao senhor

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Mas, meu senhor, está tudo muito solitário.

Não tem ninguém na rua, não tem ninguém na minha porta. O jornal está intacto na soleira, onde se encontram meus sapatos. O único lugar onde estão as palavras, mas ninguém responde à elas. Não há diálogo; calou-se o mundo. Ouço o zumbir das abelhas e o silêncio dos esquilos a buscar nozes perfeitas. O cheiro do mato e o ruído do vento. Muda-se o clima, o tempo, as cores. Ontem era escuro, clareia-se cedo e, logo à tardinha, escurece-se sem ser noite. Está tudo muito solitário. Os pássaros gritam para o sul. Unidos aos seus compadres, buscam a tranquilidade. Mas está tudo muito solitário, meu senhor. Não ouço o padeiro, o jornaleiro, o lixeiro. Não ouço o carro, a moto, a multidão. Sinto falta do barulho, mas o barulho ainda existe. O que fazer na solidão? Algo está grunhindo e não sei exatamente o que é. Isso incomoda e me grita, mas tudo está muito solitário. Na solidão, ouve-se a máquina de café, a manteiga sendo passada no pão, o cronch da mordida, o bebericar na xícara e as louças sendo lavadas. O barulho está ali, mas tudo está tão silencioso.

Ontem, o barulho não parava. Era a batida do coração, a respiração rítmica, o remexer nos lençóis e o cérebro a vapor. Depois, o silêncio. Aí vem as pessoas, todas vestidas, o barulho do sapato, a conversa sem fim, o som da estação. Os rostos, mosaicos. Não sei quem são. Depois abro os olhos. O barulho dos olhos se abrindo, o levantar da cama, o espreguiçar e o calçar dos sapatos. Mas está tudo tão silencioso, meu senhor. Qualquer outro barulho, eu desconfio. Quem está aí? Tudo está tão silencioso. O tic-tac do relógio, o cantar do vento, soprando minha roupa no varal. Mas tudo está tão inquieto, meu senhor. O barulho não para, não estou sozinha. Me encontrei comigo mesma. Eu estou aqui. Não estou solitária, meu senhor. Tem alguém no espelho que sou eu. Mas espelho não faz barulho. Espelho só mostra solidão. Não, senhor. Não estou sozinha. Eu me tenho aqui para fazer barulhos. A solidão é um caixão sob a terra. Eu sou a solidão.

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