Amor em Tempos de Pandemia

11 2 1
                                    


Vivo há uma certa distância de Saulo. Meu relacionamento sobrevive de uma certa diferença de Estado Rio-São Paulo. Saulo e eu já estamos juntos há quatro anos e nossa convivência tem sido de vivermos dois anos juntos e os outros dois separados. Ele é carioca e eu sou paulista. Nos entendemos por meio de gírias e costumes diferenciados. Carregamos uma emoção no olhar ao nos reencontrarmos na rodoviária e a tranquilidade de que não precisamos estar juntos por 24 horas e ainda suspeitarmos de que isso não iria durar. Tem durado quatro anos. No início achávamos que não duraria. Nos primeiros dois anos, ele morou em São Paulo, onde nos conhecemos. Dois anos se passaram e ele voltou para o Rio. Tudo bem, eu pensei. Não precisamos estar grudados um com outro, vai ser empolgante. E foi. Passamos semanas sem se ver pessoalmente, chamadas de vídeo, fotos antigas no celular que eram resgatadas com declarações de amor muito derretidas. Tínhamos tempo, vontade, tesão e o que mais fosse preciso para dar uma balançada nessa aventura de "superação emocional". 

Então, chegamos à pandemia; ele lá e eu aqui, fugindo de gente e potencial infecção pela doença; fugindo de nós mesmos. *Não se abraçar, não se tocar, não se ver*. Mas isso iria durar meses, não é? Talvez não fosse para tanto. Até chegarmos à marca de 100 mil mortos, o home office, as escolas fechadas e as ruas abandonadas e um lockdown que poderia ter nos ajudado e resolver esse problema. Era o início de uma era e o fim de um relacionamento de quatro anos. Quer dizer, não terminamos, mas aquilo nos consumia sem que precisássemos dizer uma palavra e nós sabíamos disso. Eu o olhava pela câmera e via uma montanha russa de sentimentos borbulhantes escapando pelos cantos e poros de seu corpo. Nosso relacionamento estava 

 C

   A

    I

     N

      D 

       O

Desmoronava feito a consciência popular de se usar máscara e fingíamos que estava tudo bem, porque era isso que as pessoas estavam fazendo durante a quarentena: fingindo que estava tudo bem. Esse era nosso novo normal e nosso amor em tempos de pandemia, que precisava ser restaurado via Skype. Mas como se restaura algo que não se tem certeza mais?  Se evaporou com as horas de nossa distância forçada ou nós que não cavamos o fundo de nós mesmos para descobrir quem somos e o que queremos?

Minha amiga Olga vive casada há sete anos. Ambos no mesmo tempo, dividindo os mesmos horários e estando mais próximos impossível. Querem se separar. Não aturam mais a inconstância de estarem próximos um do outro. Eles têm se descoberto na pandemia e com quem se casaram. Não são pessoas ruins, não fizeram nada de errado, só descobriram quem são na realidade. Sentia a emoção de estar longe, agora quero por perto. Por vezes nem sei o que quero. Cavei buracos dentro de mim para descobrir coisas que eu nem sabia. Agora, olhamos um ao outro sem vontade de ir para uma rodoviária. Aposto que se nos víssemos, não correríamos em direção um ao outro. O que foi feito de nós todo esse tempo?

Crônicas de IsolamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora