Capítulo 8/10

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***

— Você tem certeza? — Eu encarava os olhos negros do outro enquanto fazia um carinho em sua mão — Está se sentindo pressionado por mim? Se estiver, me desculpe... Só faça as coisas no seu tempo. — Continuei estudando sua expressão para ver se existia algum indício de desconforto pela situação.

Ainda estávamos em sua cama após a conversa de mais cedo. Eu teria ido embora antes, mas quando anunciei que estava voltando para meu quarto, recebi um olhar de cachorro sem dono, foi impossível negar ficar mais um pouco. Ele estava deitado e eu me encontrava entre seus braços e com as pernas entrelaçadas nas dele, sentindo seu cheiro invadir minhas narinas.

— Você não está me pressionando. — Ele sorriu pela primeira vez na noite após nossa conversa — Mas se eu chorar na frente dele a culpa é sua. — E dessa fez dei um riso nasal, sussurrando um "ok". Ele havia acabado de confessar que conversaria com Chishiya o quanto antes, o que me deixou feliz, porém preocupada. O problema não seria se o loiro fosse o culpado porque Niragi já estava esperando por isso. O que aconteceria nessa situação: eu estouraria os miolos do outro sem pensar duas vezes.

O problema mesmo seria se a mãe dele que estivesse no banheiro naquele dia de manhã, é doentio pensar que uma mãe não salvaria o próprio filho das garras de um estuprador, mas infelizmente não é impossível. Se fosse essa a realidade, Niragi surtaria.

E foi pensando nisso que deixei o quarto do maior naquela noite, mas ao invés de ir para o meu, fui ao de Chishiya. Eu gostaria de esclarecer o que estava acontecendo e saber a verdade antes de Niragi. Quer dizer, eu não estava pensando em omitir a verdade para o outro, só queria prepará-lo para o pior caso fosse necessário.

Ele abriu após eu bater na porta algumas vezes, tinha uma expressão que seria impossível não perceber que ele estava no quinto sono antes de ser interrompido — Desculpe o horário, preciso falar com você.

— É sobre Niragi? Vamos conversar em outro lugar. — Andamos um pouco.
Vendo que tinha muita gente acordada perambulando pelos corredores, fomos para fora da estrutura do prédio. Chishiya cruzou os braços e se apoiou em uma das várias árvores presentes no local, enquanto eu o encarava, observando sua expressão.

— Niragi vai vir falar com você amanhã ou nos próximos dias. E quando ele o fizer, você precisa fingir que não estive aqui conversando sobre esse assunto. Não queria esconder as coisas, mas é pro bem dele. — Suspirei, vendo o outro assentir — Seu pai estuprou ele, Chishiya. Você sabia disso? — Ele passou a mão sobre o rosto, extremamente nervoso. Culpado?

— Pelo jeito você não vai contar sobre a nossa conversa pra ele, vai? — Ele encarou um ponto qualquer no chão, pensativo.

— Não, ele vai descobrir sozinho. Eu só quero preparar ele para o pior, se for o caso. — Esperei uma resposta, essa que não veio, então tentei mais uma vez — Era você ou não naquele maldito banheiro?! — Ele pensou mais um pouco e balançou a cabeça de um lado para o outro.

— Não? Como assim não era você? — Minha voz se alterou um pouco e eu senti minhas mãos tremendo, não pelo frio que a noite proporcionava, mas por puro nervosismo. — Me responde, caralho!

Sua expressão tensionou ainda mais quando ele me encarou. — Não, não era eu. Era a mãe dele. Eu nunca soube que meu próprio pai fazia isso com ele, se eu tivesse descoberto na época eu teria contado pra alguém, buscado ajuda. Teria feito alguma coisa. — Eu permaneci com a expressão assustada, não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Ele por outro lado permanecia extremamente calmo, como se estivéssemos falando de um assunto qualquer.

— Você está calmo demais para quem não sabia de nada. Você nem parece surpreso com o que eu acabei de te contar! — Minha vontade era de voar naquele cara e acabar com ele ali mesmo, aquela conversinha não estava me convencendo.

— Não estou surpreso, eu já sabia que ele tinha sido abusado. — A confusão havia me tomado, e antes mesmo de eu perguntar algo, ele começou a se explicar — Assim que cheguei na Praia fui recebido calorosamente, como todos. Ainda era o Chapeleiro quem comandava tudo e eu não confiava nem um pouco nele ou no Aguni. Quando percebi que Niragi estava se aproximando deles, resolvi investigar suas vidas mais a fundo e tentar descobrir quem eles eram e o que queriam conosco. Sempre fui bom com tecnologia, então tudo que precisei foi conseguir entrar no escritório que na época era do Chapeleiro e esconder uma escuta. Certo dia, à noite, estava em meu quarto e consegui ouvir uma conversa dele com meu irmão, Niragi contou pra ele sobre o abuso e eu escutei tudo. O Chapeleiro sempre foi extremamente esperto e na hora sacou que a mãe dele era a culpada, mas eu não aguentei ver o sofrimento que meu irmão ficou... Foi horrível.

Ele deu uma pausa parecendo reviver mentalmente aquele momento, suspirou fortemente pela milésima vez e continuou — Chapeleiro também estava mal por ver Niragi daquele jeito, então conversei com ele e o convenci a colocar na cabeça do meu irmão que a culpa era minha. Ninguém merece ter raiva da própria mãe ou pai, eu sei isso melhor do que ninguém.

— Chishiya, você precisa contar a verdade pra ele. Eu jurei que te mataria se você fosse o culpado e se você continuar deixando Niragi acreditar nisso, será morto. — A essa altura eu já puxava meus próprios fios de tanto nervosismo.

— Que eu seja morto, não me importo. Só não conte a verdade pra ele depois que eu morrer, senão minha morte terá sido em vão. — Ele ainda estava calmo, mas seu olhar carregava tantos sentimentos que era impossível decifrá-lo — Vou voltar para o quarto, boa noite. — E assim fez, me deixando sozinha com meus próprios pensamentos.

[...]

No dia seguinte acordei com o sol invadindo a janela do meu quarto. Me vi em confusão, eu sempre fechava a cortina antes de dormir justamente para não acordar com a claridade. Quando abri totalmente os olhos, vi a imagem de Niragi parado do outro lado do quarto me encarando com a metralhadora no ombro e a mão no bolso. "Bom dia, princesa." foi o que ele disse, curvando levemente os lábios.

— Você precisa parar de roubar a chave do meu quarto. — Me sentei na cama, ainda extremamente sonolenta.

— Eu não roubei. A chave original do seu quarto está no escritório guardada em seu devido lugar. — O olhei com confusão, e antes mesmo de perguntar como ele havia entrado ali, ouvi sua voz novamente — O que fiz foi conseguir uma cópia.

Olhei incrédula pra ele e joguei um travesseiro em sua direção — Se arrume e desça, temos algo a fazer — Ele jogou o travesseiro de volta pra mim e saiu do quarto.

Pouco tempo depois eu estava vestida e revirando o quarto inteiro. Estava faltando um dos meus canivetes preferidos. Tentei pensar onde poderia ter o deixado mas não conseguia pensar em nada, então resolvi ir ao encontro de Niragi e terminar de procurá-lo depois. Desci as escadas e fui em direção ao local em que eu tinha certeza que ele estaria: bar.

— O que temos para fazer? Que eu me lembre você não marcou horário comigo e minha agenda está apertada. — Parei ao seu lado, vendo quando ele sorriu divertido e virou uma dose grande.

— Não preciso marcar horário, sou sua prioridade. — Deu de ombros e pegou outra dose com o barman, deixando em minha frente — Toma seu café da manhã pra gente ir logo. — Sorri e virei a dose assim como me foi ordenado, seguindo o outro.

Senti o ardor na garganta, mas ao invés de fazer careta, eu sorri. — Está me levando pra onde? Vai se aproveitar do meu corpo? — Sorri de lado, mas realmente curiosa para saber onde estávamos indo.

— Isso ainda vou fazer muito, mas não agora. — Sua expressão ficou mais séria após a frase, e me vi seguindo ele para o prédio onde se encontravam os quartos das pessoas da Praia — Agora estamos indo descobrir a verdade e acertar as contas com meu querido irmão. 

***

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Lost on the Beach - NiragiOnde histórias criam vida. Descubra agora