02 | A eternização da Xerocópia

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Em festas universitárias não havia lista de convidados. Quem ficasse sabendo viria, inclusive pessoas de lugares que ninguém conhecia, mas tinha medo de perguntar. Um ótimo lugar para comprar drogas, conhecer gente estranha e beber "boa noite, cinderela'' sem querer.

E Duncan não entendeu minha relutância em vir aqui...

Copos vermelhos, música estourando os ouvidos, luzes coloridas cortando o breu e uma pista de dança improvisada eram o máximo que a noite proporcionaria. Apesar de me misturar ser essencial, não estava disposta a beber até perder os sentidos. Ao invés disso, optei por me aproximar da mesa de petiscos e comer marshmallows até que alguém me encarasse o suficiente para gerar constrangimento e eu dar as costas. O problema deles era que, uma vez dentro de uma boca compulsiva, era impossível fazê-la parar. Pelo menos eu não era viciada em drogas - era em açúcar.

Com os quadris na mesa e a vasilha próxima para encher a mão a cada vinte segundos, carreguei o olhar tranquilo pelo ambiente, observando como eles se comportavam. Com o tempo, ficou fácil distinguir os estudantes da UNY dos penetras, que eram em maioria homens com mais de 25, aguardando universitárias inocentes caírem em seus braços para uma transa fácil. Não muito longe deles, um grupo vestia a camisa do logo das deltas, se comportando como diziam os filmes: conversando alto, rindo exageradamente e chamando a atenção propositalmente. Apesar de não perceberem que o entorno enxergava atitudes petulantes, eram excelentes na arte de se vestir, apesar da vulgaridade destoante dos meus ideais.

Desci os olhos para a calça flare que usava, estreada pela minha mãe na década de 80. A barra desbotada cobria o All Star branco, fazendo-me costumeiramente mexer os pés para unir ambos os pares. A baby look verde do Green Peace pedia socorro há anos, mas eu o ignorava, assim como o tecido desbotado do tênis. Quanto mais surrado ele e o jeans estivessem, mais descolados pareciam, mas foi difícil não questionar meu senso estético na comparação com aquelas garotas.

Tirei o celular do bolso para ver a hora, suspirando. Haviam se passado quinze minutos desde a minha chegada, e a câmera no pescoço começava a pesar. Em outro contexto, talvez quinze minutos fosse pouco, mas dentro de uma festa fútil, duvidava muito de aguentar mais trinta. Por isso, posicionei o olho esquerdo no visor da máquina e a arrastei pelo salão, decidida a fotografar qualquer absurdo e escrever sobre ele. Com a respiração cuidadosamente articulada sob a lente, buscando preservar a precisão da foto, vi um garoto de cabelos loiros atrair a atenção de quem estava à sua volta. Ele e o grupo de amigos conversava e ria alto, vez ou outra dividindo a atenção com garotas insistindo para paquerar, como se fosse costumeiro.

Curiosa, afastei os olhos da lente, trazendo os pensamentos na tentativa de explicar mentalmente o que havia visto. Será que eram de alguma fraternidade famosa? Ou eram jogadores de futebol? Todos agiam como se o conhecessem, mas eu não fazia ideia de quem eram. Bom... Na verdade eu não fazia ideia de nada, já que minha habilidade social era abaixo de zero.

Voltei a observá-los através da câmera a tempo de ver uma delta vir por trás do louro, arrastando as mãos pelo corpo masculino e fuzilando outras que tentavam apossar-se da mesma intimidade. Ainda que se tratasse claramente de uma atitude possessiva, ninguém percebeu, muito menos o louro de sorriso atraente, que ignorava as carícias cada vez mais íntimas. Enojada com a ideia de um homem gerar competição feminina, me afastei da máquina antes de tirar a foto. Havia prometido que seria qualquer matéria, ainda que fosse um absurdo. Ainda sim, não segurei o suspiro desapontado, deixando o desânimo abater as últimas horas do meu dia.

Estava tão irritada com a arrogância do Hepburn em exigir que eu escrevesse uma matéria sobre a qual não gostava. Ainda mais se tratando da garota que havia levado o jornal nas costas nos últimos meses, sem a ajuda de professor nenhum. O mínimo que eu merecia depois desse transtorno era uma cortesia. Se queria tanto finalizar o jornal com uma matéria fútil, por que não havia vindo ele mesmo? Movida pela revolta, enchi a boca de novo, descontando a raiva na comida ao concordar com cada aluno que o chamava de carrasco.

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