Irrevocable

Female Company

Ana Fraser

Canadá

Abril, 2018

Sentia a palma de minha mão latejar enquanto caminhava pelas ruas frias de Toronto. Claramente iria demorar muito tempo até que eu pudesse estar oficialmente acostumada com esse local gélido. Que ideia idiota colocar uma caiçara brasileira, acostumada e amente do calor, para morar num lugar que, em um dia "ameno" faz 10ºC.

Apesar da tremedeira já ter possuído meu corpo, não diminui o ritmo do passo, para que pudesse chegar logo no quentinho do meu lar. Meu rosto, após ter sido coberto por lágrimas, agora eu podia garantir que em breve ele congelaria.

Acredito que nunca havia chegado em casa tão rápido quanto dessa vez. Assim que destranquei a porta do apartamento da tia Dora, pude encontra-la ao lado de seu namorado enquanto assistiam algo que passava na televisão. Tia Dora, assim que colocou seus olhos em mim, saltou vindo em minha direção com os olhos arregalados.

-Ai meu Deus, você está horrível! – Falou ela examinando meu rosto. – Você está congelando. – Constatou assim que repousou sua mão em minha bochecha.

Me direcionou ao banheiro rapidamente me fazendo apenas dizer "oi" ao Kevin. Bateu a porta do banheiro antes que eu pudesse sequer dizer algo. Avisou que faria sopa enquanto eu deveria tomar banho quente para reverter essa pré-hipotermia (considerada congelamento por mim).

Longos minutos embaixo do chuveiro extremamente quente me fizeram enxergar que ter sido demitida daquele pub foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Agora eu poderia conseguir algo que de fato me pagasse o suficiente para ajudar de verdade, até mesmo alugar algum lugar maior para mim e Dora. A tristeza havia ido embora, mas a raiva não. Por mais que eu dissesse a mim mesma que esse sentimento faz mal a mim, eu não podia evitar.

Me enrolei na toalha para que pudesse secar meus cabelos com o secador, o que nem demorou, já que os meses que morei aqui me fizeram pegar prática de secar rápido. Por sorte a roupa que havia colocado para lavar pela manhã já estava seca, me encapotei de forma que dificultou até meus movimentos. Assim que sai do banheiro, o cheiro de sopa industrializada me fez sorrir. Tia Dora nunca foi uma grande aliada da cozinha, mas ela se esforçava por mim, como agora.

-Obrigada tia, não precisava se preocupar. – Agradeci, enquanto ela servia um para mim.

Enquanto eu comia, contei a ela e ao Kevin sobre o que havia acontecido. De certa forma foi bem engraçado a forma como tia Dora se exasperou enquanto Kevin (o pacifico) tentava amenizar a forma como a Tia Dora insultava o meu ex-chefe. Quando terminei minha sopa de sódio, sentamos na sala (meu quarto) com a televisão no mudo.

- E o que pretende fazer agora querida? – Perguntou Dora enquanto ajeitava o braço que Kevin havia repousado sobre ela.

-Amor, ela acabou de ser demitida, não deve pressioná-la. – Disse Kevin o pacifico. Sorri com o que ele disse.

E de fato ainda não havia pensado, não que houvesse outras possibilidades a não ser procurar outro emprego para que pudesse me sustentar. A questão era: o que eu faria? A própria Dora havia comentado sobre uma entrevista de emprego numa grande empresa, agora sem dúvida eu deveria me dedicar para conseguir aquele emprego, mas não poderia colocá-lo como única opção.

-Não tenho outra opção a não ser procurar outro emprego rápido. – falei.

-Comentei com ela sobre aquela entrevista que acontecerá amanhã. – Disse minha tia e olhou para Kevin.

- Que bom! Mas de qualquer jeito, sei de algo que pode ser ainda melhor. – Falou ele e abriu um sorriso. –A esposa do meu chefe está precisando de uma espécie de "dama de companhia", alguém que dirija para ela, que faça assessoria, a auxilie no dia-a-dia de uma maneira geral. Assim que meu chefe me falou, pensei em você.