Capítulo 88 - Um pretexto honesto

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Não, a idéia de ir ao enterro não vinha da lembrança do carro e suas doçuras. A origem era outra: era porque, acompanhando o enterro no dia seguinte, não iria ao seminário, e podia fazer outra visita a Capitu, um tanto mais demorada. Bis aí o que era. A lembrança do carro podia vir acessoriamente depois, mas a principal e imediata foi aquela. Voltaria à Rua dos Inválidos, a pretexto de saber de sinhazinha Gurgel. Contava que tudo me saísse como naquele dia. Gurgel aflito, Capitu comigo no canapé, as mãos presas, o penteado...

—Vou pedir a mamãe.

Abri a cancela. Antes de transpô-la, assim como ouvira da memória a palavra do pai do morto, ouvi agora a da mãe, e repeti a meia voz:

—Coitado de Manduca!

Minha Mãe ficou perplexa quando lhe pedi para ir ao enterro.

—Perder um dia de seminário

Fiz-lhe notar a amizade que o Manduca me tinha, e depois era gente pobre...

Tudo o que me lembrou dizer, disse. Prima Justina opinou pela negativa.

—Você acha que não deve ir? perguntou-lhe minha mãe.

—Acho que não. Que amizade é essa que eu nunca vi?


Prima Justina venceu. Quando referi o caso ao agregado, este sol riu, e disse- me que o motivo escondido da prima era provavelmente não dar ao enterro "o lustre da minha pessoa". Fosse o que fosse, fiquei amuado; no dia seguinte, pensando no motivo, não me desagradou; mais tarde achei-lhe um sabor particular.

Dom Casmurro - Machado de AssisOnde histórias criam vida. Descubra agora